sábado, 7 de agosto de 2010

Um sonho de estudar
Maria de Lourdes S. Jesus, 50 anos.
Saco do Porco - Bahia

Maria de Lourdes

“Meu pai trabalhava em um motor, máquina de bater palha, eu não tinha tempo de estudar, mas sentia tanta vontade, que tinha umas três cabeças de ovelhas, eu peguei e falei assim pra uma amiga minha Laís se você me ajudar a escrever pelo menos uma carta eu te dou uma cabeça de ovelha, ela falou: Comadre Maria vou falar a verdade, eu detesto ensinar!” e não me ensinou.

Eu chorava para ir à escola e um dia, meu pai me colocou na Escola da Dona Nita. Íamos uma turma, tudo da mesma idade, sabe?! Eu, Valdelita, Valdecir, Zélito, nós saiamos da escola meio dia, vínhamos morrendo de fome, e parávamos na casa de uma das meninas para comer, mas eu sempre tinha vergonha. Nessa escola só fiquei 15 dias, meu pai nos tirou da escola, minha fia, pois ele comprou um motor velho e nós tínhamos que trabalhar nele, eu chorava muito por isso, falei pai eu quero uns livros, ele foi lá e comprou um ABC (livro didático) e quando tinha tempo, ele me ensinava, ele sabia um pouquinho.

Então eu vim para São Paulo e tinha uma escola no o EJA – Educação para Jovens e Adultos - peguei e entrei lá, mas era muita preocupação, porque meu pai tinha câncer, era uma luta eu deixava ele sozinho. Aí decidi novamente, sair da escola.

Agora algumas pessoas ainda me chamam para eu voltar a estudar, mas com essa labirintite, minha fia, “cumé qui vô?”, fico tonta direto, então pronto, fica complicado voltar.

Era meu sonho estudar, eu tinha uma inveja quando via uma pessoa pegar uma caneta para fazer uma carta.

Os pais de hoje não são como antigamente, não. Os pais de hoje fazem de tudo para os filhos estudarem. Eu só sei escrever o meu nome, para ler eu sou melhor, só uns nomes que tem "h" que é complicado.

Quando, na infância, tive que sair da escola chorei muito, pois achava aquilo tudo tão legal, mesmo a Laís não querendo me ensinar, um dia ela escreveu uma carta e eu copiava, fazia igual a dela e até que ia bem, até que não errava muitas palavras, mas não pude continuar treinando, pois era um sofrimento, tinha que cortar palhas todos os dias até meio dia, e ainda tinha o sisal*, também. Depois do sisal íamos para casa que era em baixo de um imbuzeiro, fazia comida e nem acabava de comer, já era hora de ir cortar palha novamente.

Acho que foi por isso que casamos cedo, não tínhamos prazer de trabalhar com aquilo, era tudo fraco também. Um dia por semana ele, meu pai, dava uma folga, ai, ao invés de trabalhar para ele, trabalhávamos para nós e com esse dinheiro dava para comprar umas roupas, porque com o dinheiro que trabalhávamos para ele, só dava para comer.

Quando comecei a namorar sempre marcava para encontrar meu namorado no João Vieira- BA (um lugar onde tem várias festas legais) , mas marcava com ele lá, e nunca ia porque meus pais não deixavam, tinha que ficar trabalhando até nove, dez horas da noite.

* sisal - utiliza-se principalmente a fibra das folhas que, após o beneficiamento, é destinada majoritariamente à indústria de cordoaria (cordas, cordéis, tapetes etc)

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