sexta-feira, 10 de setembro de 2010


Ser, estar, permanecer, ficar...

“Vivo e morro aqui no Jardim da Luz,

Sou morador de rua, já vivi em São Miguel,

meu santo protetor, hoje sou andarilho e me escondo

das trevas, andando aqui na Luz “.

João Batista – 59 anos

Morador de rua



Estudar e viver o simbólico, sua afluência antropológica, de uma geografia manchada pela adversidade, nas demonstrações de superação das dificuldades. Observar, utilizando os sentidos, com tantos olhos que não só os seus e os meus, os arranjos locais, decorrência fenomenológica de vidas tão visíveis, mas ainda com essencialidade invisível, no ponto de vista de estudos e análises advindos de “viver – junto”, na teia das interrelações e extrarrelações desses pedaços da cidade e seus diálogos com o mundo.



Estudar a partir da intencionalidade de aprender com os fenômenos urbanos e seus arranjos, claro, seguindo os caminhos cientificados e deparações conceituais e estatísticas, mas num constante reavaliar da realidade vivida, a questionar e refletir sobre a falsa perenidade que deduzimos sobre o a cidade, sobretudo no micro – cosmo, territórios onde atuamos por meio da educação, onde por mais apurada que seja nossa ausculta, temos dificuldades em não cair nas armadilhas de decodificar e sintetizar, muitas vezes como observadores distantes e diletantes, em busca de uma conclusão para entender a anomalia social, cada um de nós com um recorte de saber adquirido, em busca de um utópico ponto final para nossas avaliações, norteadoras de nossas ações, quando o processo é pensar e estudar com o outro, caminhar a partir do saber de quem convive com a escassez, sem dúvida o mais interessado na transformação social, talvez, nós, no máximo, somos provocadores e quiçá mediadores, mas com a certeza de que não existe esse tal ponto final.


Estudar a realidade vivida desses citadinos, diante dos desafios do imediatismo e a necessidade de sobrevivência, em suas dinâmicas de respirar e seguir vivos, nessas áreas que muitos chamam de manchas, mas que também se parecem com cidades invisíveis, dentro de uma mesma cidade, o que nos remete às provocações do escritor Ítalo Calvino, quando imagina e escreve um diálogo, lembrado por uma educadora de uma escola pública de São Miguel Paulista, entre o viajante Marco Pólo e o imperador Kublai Khan.


Em nosso cotidiano, ora somos Kublai Khan, ora Marco Pólo, num jogo de xadrez de alta complexidade, em que as sensações e estratégias perpassam, desde os deslocamentos dos citadinos pela urbe, feito pêndulos humanos nos trens lotados, nos resíduos sólidos acumulados nas passarelas, ao longo do caminho, entre vielas, entre vidas, passagens de servidão, entre casas, habitações multifamiliares transformadas em creches, até a oscilação humana, provocada pelos vulneráveis alicerces sobre os entulhos e a lama, onde vive uma gente anfíbia a banhar-se na inconformidade e sinuosidade de um rio, com suas lagoas e aterros das invasões, na tentativa de conter as águas e realizar sonhos de permanecer, ficar, ser, estar, verbos de ligação entre a exclusão e a inclusão.


José Luiz Adeve (Cometa)

Núcleo de Comunicação Comunitária São Miguel no Ar

Fundação Tide Setúbal

1 Comentário:

Jairo Macedo Sierra disse...

Viver na cidade é muito diferente de viver "a cidade".
Todos somos parte deste organismo vivo que é a São Paulo, com seus horrores e encantos. É crueza, mas também é poesia, é sangue que jorra em cada esquina, mas também são lágrimas de feleicidade em toda parte.
Já desisti de decompor a cidade para entendê-la. Preciso agora compor uma ode a este terno monstro que amedronta e ao mesmo tempo encanta. Que de susto em susto, de congestionamento em congestionamento permite que eu reflita também sobre minha própria vida e existência, sobre onde quero estar, e isso torna minha convicção mais forte e elevada de aqui ficar.
São Paulo oferece o muito e o nada. É oportunidade para alguns e desepero para outros. É um eterno mudar. É buscar sempre e interminavelmente um mudar de posição para ficar no meio termo entre um extremo e outro. É o eterno mea culpa por ousar ocupar tanto espaço onde quase já não há espaço algum.

São Paulo é amor e ódio. É riso alegre, ou apenas histérico.

Viver na cidade é no mais das vezes uma experiência quotidiana de sobrevivência,de extase; ou de ambos.

Viver na cidade representa buscar um lugar intermediário entre o amor e o ódio. Entre o desejar partir e o querer ficar.

Viver na cidade é vivenciar esta dualidade...

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