sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Sobre Homens e Livros



* Eliana Cristina - integrante da Rede Jovem Comunica e professora da EMEF Dom Paulo Rolim Loureiro



A beleza do olhar de quem vê com os olhos de uma criança. Quem a possui? O escritor que carrega dentro de si um poeta. Ele tem essa habilidade, esse saber fazer e cabe a ele, que soube cultivar em si esse outro jeito de ver, esse olhar que é a vista de um lugar privilegiado, ‘o sótão de Sebastian’, o ‘sob a mesa do Sartre-menino’, preservar e expandi-lo a outros.

O olhar que o poeta sabe ter mantém-no a salvo e ao mesmo tempo nutre esse lugar mágico, território das crianças, constantemente ameaçado pela mercantilização e vulgarização da Arte, objeto passível de compra e de consumo, reduzido a possibilidades utilitárias.

O livro, que é obra de arte se escrito por um poeta, para que serve? Para proporcionar prazer? Se for, é o prazer por ele proporcionado similar ao oferecido pela televisão e pelos jogos eletrônicos? O estado de espírito que a leitura de um bom livro pode proporcionar está além do prazer e da satisfação obtida por outros meios. Reside noutra esfera.

E não obstante, a leitura, tal como tem sido abordado na escola, dá trabalho e não prazer. Ler para a maioria das crianças e jovens tem sido dever, tem o ranço da lição (“estudar é maçada”, já dizia o poeta): ler para responder questionários, ler para apresentar seminários, ler para entregar trabalhos, ler para a prova, nunca o ler apenas por prazer ou por escolha, pois que tudo parece conspirar para o caráter utilitário do ser e, portanto, do ler. Árvore que não produz é árvore morta? Pois tudo o que a criança e o jovem querem é o despropósito do viver, querem apenas ser. Nesse espaço, só uns poucos conseguem divisar na leitura o que de fato ela é: território de encontro, de descoberta de si e de mundos.

Esse quadro e a percepção de que muitos se curvam a esse modo de ver a leitura e o livro, produzindo livros que serão ‘leitura obrigatória’ faz com que o poeta se desespere. O poeta está só? Isso não pode ser, porque se não tem com quem dialogar ele enlouquece.

“A professora – ele pensa – ela tem um pouco de mim. Chamem a professora!”

E o que pode a professora? Oriunda de uma universidade que informa, mas não forma? Por quais currículos e metodologias foi submetida? Terão elas vivenciado o poder transformador da palavra e da literatura no período de formação? Aprenderam a distinguir quais livros valem a pena ser lidos para os pequeninos e os jovens, não apenas pelo apelo da capa, do nome do autor e da editora? O que é do livro que chega à escola? Que se a caixa lacrada ou o livro empoeirado na estante de que valeu o esforço do poeta?

Muitas escolas particulares optam por esta ou aquela obra, não tanto pela qualidade literária que ela deveria ter, e sim porque algumas editoras disponibilizam exemplares para análise. E os que não chegam às mãos da professora, também não são bons? De que meios a escola e o professora se valem para conhecerem outros títulos?

O poeta pede a palavra:

“Professora, quais seus critérios de escolha? Qual sua história de leitura em literatura infanto-juvenil???”

A professora se cala.

“Livro bom é mais que bonitinho – discursa o poeta – ele deve sim ter a beleza plástica, mas seu texto escrito deve ter a marca da perenidade, deve tocar a nossa alma, seja pelo riso, seja pelo nonsense, seja pelo manejo artístico da palavra”.

Somente lendo muitos deles, somente tendo em sua formação disciplinas que prevejam tempos e espaços para essas leituras, somente tendo sido ensinada a frequentar bibliotecas, livrarias e rodas de leituras, somente mergulhando nas possibilidades lúdicas do texto literário infantil (que a criança pequena pede uma abordagem do livro que privilegie as sensações, o brincar, o sentar no chão, o cantar) poderá a professora fazer com que o livro e a leitura seduzam a criança e o jovem.

“Quanto do tempo reservado ao estudo e ao preparo das aulas a professora dedica à leitura dos livros infanto-juvenis?” – pergunta o poeta.

“A criança e o jovem pedem por bons leitores e bons contadores de histórias – continua o poeta – necessitam dos portadores da magia e do discernimento do flautista da cidade de Hamelin, que soube não apenas livrar a cidade da praga dos ratos, mas também conduzir as crianças a um refúgio contra a desonestidade de um prefeito e a indolência de um povo”.

Preciso de professores e professoras que saibam conduzir as crianças e jovens para as páginas dos bons livros - grita em praça pública o poeta. – Preciso de que os ensine e pague bem! ”

Quem atenderá o chamando do poeta? Quem estará disposto a formar e pagar bem à professora para que ela se faça leitora e dê ao livro de literatura o lugar que lhe cabe na sala de aula? Nossos gestores gastam bilhões em livros didáticos e, no entanto, nossas crianças e jovens continuam a ir mal nas avaliações de leitura. O que estará errado?

Aprender por meio da Beleza e não pelo estreitamento das mentes que não se debruçam sobre ela, que não a perseguem como ideal de vida e de herança aos seus e ao seu tempo. O que se pode fazer pela professora das séries iniciais para que ela possa auxiliar o poeta?

Sejamos éticos! Que se busquem nos gabinetes políticos, nas faculdades de educação e nas escolas de ensino básico a promoção de ações capazes de ‘fazer nascer a flor no asfalto’ no que se refere ao livro e à leitura! ” – suplica o poeta.

Quem atenderá ao seu chamado?


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