sábado, 30 de julho de 2011


Maria do Rosário foi embora e João Severino vai trabalhar no Coletor Tronco

José Luiz Adeve



Na madrugada saltei telas, movimentos e comandos do mouse. Leitor hiepermidiático, labiríntica e fragmentada leitura. Ao acordar tive sede de um livro impresso. Mas eis que ao passar na Praça do Forró, na cidade de São Paulo, no bairro de São Miguel Paulista avisto um ônibus parado e, Maria do Rosário e João Severino, aos prantos e abraçados em frente à porta do veículo que levará 50 pessoas e suas bagagens para Jacobina, lá na Bahia.



A cena me emociona, pois conheço um pouco a história desses dois. Há dois anos se juntaram e resolveram sair de lá para vir para cá. Quando chegaram, na Rua Salina do Açú, alugaram quarto e cozinha, banheiro coletivo, para tentar a sorte por aqui, em meio a tantos desafios, nessa terra em que os deuses, muitas vezes, estão dentro dos baldes, ou seja o próprio reflexo desses rostos juvenis, representam aqueles que podem se solidarizar diante das dificuldades dessa urbana e insana cidade.



Quis o destino agora, para tristeza e prenúncio de tanta saudade, tanto para Maria do Rosário, quanto para João Severino, a despedida de Maria do Rosário, enquanto João Severino trabalhará com afinco na obra do Coletor Tronco. Sendo assim devolveram a casa, pois João daqui em diante vai morar no alojamento da própria obra.



Sim, estou parado, vejo a cena, sem que eles me vejam. O último abraço. Maria do Rosário adentra o ônibus clandestino que a levará até Jacobina, lá encontrará pai e mãe que lhe aguardam sabedores que Maria leva no ventre um filho de João Severino, pela barriga mais bicuda, tudo indica que é menino.



O ônibus parte devagar, pois o trânsito é carregado, agora já distante da Capela, na cabeça de João vem a idéia e o desejo, de que logo vai rever Maria. Quer pensar que ela foi até o Brás, e daqui a pouco, com uma jornada de trem CalmonViana, pronto, o reencontro e tudo fica lindo.



Mas um tufo de fumaça põe João Severino em desatino. Ele atravessa a passarela de madeira, com muito lixo no caminho, encosta a cabeça no alambrado e lá de cima, chora um choro bem chorado, sentido... São águas amorosas, tristeza lascada. O rosto fica marcado, até um tanto engraçado, quando resolve continuar a caminhar. Falta agora vender os móveis lá da Salina do Açú, já está quase tudo acertado, pegar a mala e ir para o alojamento da obra.



Se tudo der certo, ele guarda um tanto, que não é nenhuma fortuna e vai visitar Maria do Rosário, lá em Jacobina. E no final da construção do coletor, sabe como é, “obra pública demora tanto para começar, e ninguém sabe quando termina”, vai ficar uns tempos na Bahia, com a mulher e o filho, quem sabe arranja alguma coisa por lá.



Mas João teve uma idéia, nas noites, para espantar a saudade de Maria e de repente, aumentar a sua capacidade de entender o mundo, com suas felicidades, tristezas e desatinos, vai voltar a estudar, já até passou no Galpão de Cultura e Cidadania, no Ponto de Leitura, pegou dois livros, um tem até a ver com engenharia, mas ele pretende fazer o madureza e quem sabe o supletivo.



Ficou sabendo num desses dias que tem gente que colhe histórias, ele tem uma recente, intitulada “Maria do Rosário voltou para Jacobina”. Vai procurar um ouvido que sinta um pouco do que ele sente, pode ser até uma espécie de mediador ou mediadora que o ajudaria a escrever até com um pouco de “técnica de escrita”. Mas ele tem toda a certeza, como sonhou outro dia, que seu filho vai ser escritor, ou então uma dessas pessoas que organizam as empresas com seus computadores e coisa e tal.



João quer, daqui para frente, escrever diariamente para Maria e, em breve, comprar um computador, para enviar email e outras mensagens, em que o carteiro é invisível, “chega tão rápido, dá até para enviar imagem”, fotos que ele sempre vai querer mandar são as dele sorrindo, fazendo careta, estripulia, “sabe assim, bem engraçado”, para que Maria o veja e desande a gargalhar, antes do reencontro, que segundo João Severino, vai ser mais emocionante do que essas “novelas da sete”.



Ah, João Severino sabe que um dia essa vida vai mudar, não sozinha, nós é que mudamos a vida e cuidar da mente e do corpo é preciso. Estamos sempre em movimento e somos mediadores de nós mesmos e dos outros, pois ainda nesse mundo, a maioria quer ser feliz e, para tanto, é necessário entender a necessidade de perceber que, seja aqui ou em Jacobina, as pessoas precisam acordar para a necessidade de se juntar e se organizar, para superar tantas dificuldades.



“Não é o corpo nu ou natural que estabelece a mediação ou a fronteira entre o homem e o mundo, mas um corpo atravessado, modulado pela técnica – não é por acaso que esta também se define como mediação. Mas isto deve conduzir à suposição de que a técnica seja um mero prolongamento das funções do corpo – aí compreendidas as cognitivas – pois ao disseminar suas funções no espaço externo, nem o corpo nem o mundo permanecem os mesmos – o interior e o exterior, bem como a mediação entre eles ganham novos contornos.”

Fernanda Bruno


Membranas e Interfaces

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