Entrevista com João Joaquim de Melo Neto Segundo, Coordenador Geral do Banco Comunitário de Palmas
Publicado pelo site do Instituto Ressoar
por Diogo Silva
Para conhecer um pouco mais sobre o Banco Palmas, o Instituto Ressoar conversou com João Joaquim de Melo Neto Segundo, Coordenador Geral do Banco. Confira a entrevista a seguir.
Quando e como surgiu o Banco Comunitário de Palmas?
O Conjunto Palmeira era uma grande favela. Durante 25 anos a Associação de Moradores organizou mutirões comunitários e urbanizou o bairro. Construiu um canal de drenagem, redes de esgoto, pavimentou as ruas, construiu praças, creches comunitárias e outros serviços. Quando o bairro foi urbanizado, a população local não teve como pagar as taxas (água, esgotamento sanitário, energia elétrica, IPTU, e outras) e então começou a vender suas casas e ocupar outras favelas. Para tentar reverter essa situação, a Associação de Moradores tomou a iniciativa de criar um projeto que pudesse gerar trabalho e renda para os moradores, na própria comunidade. Esse projeto foi o Banco Palmas.
A idéia foi completamente endógena. Houve 96 reuniões com produtores, comerciantes e moradores em geral para se definir como seria um projeto para geração de trabalho e renda no Conjunto Palmeira. A base teórica e filosófica veio das leituras que os lideres comunitários tinham sobre a teologia da libertação (que prima pela organização da comunidade enquanto portadora de solução) e dos livros sobre cooperativismo de Paul Singer (princípios de cooperação). Na época (1997) as idéias e a literatura sobre o Yunus ainda eram poucas conhecidas no Brasil.
A pergunta que fazíamos na época era: porque nós somos pobres? Os moradores respondiam: somos pobres porque não temos dinheiro. Era tão obvio que não podia ser verdade. Daí, então, fizemos o Mapa da Produção e do Consumo. Saímos perguntando para as famílias o que elas consumiam e em que quantidade, qual a marca dos produtos e em que local realizavam suas compras. O resultado desse mapeamento nos mostrou que mensalmente os moradores consumiam em produtos, ou seja, gastavam com alimentação, vestuário, produtos de limpeza e de higiene e beleza, um total de R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais).
O problema era que todas as compras eram feitas fora do bairro. Então dissemos para os moradores: não somos pobres porque não temos dinheiro, e sim, porque perdemos nossa base monetária, ou seja, perdemos o dinheiro que temos.
Qual é a política do banco para a concessão de crédito?
Para um empreendedor receber crédito de um banco comunitário são necessárias as seguintes condições:
- Pertencer ao território de abrangência do banco comunitário;
- Estar engajado nas atividades da rede de produtores locais (participar de reuniões, receberem a moeda social, divulgar as atividades do banco)
- Dirigir-se a sede do banco comunitário e fazer uma solicitação de credito;
- Apresentar uma proposta econômica viável, preferencialmente compatível com o mapa da produção e do consumo local;
- Receber a vista do analista de crédito e provar a viabilidade de seu empreendimento;
- Receber um aval positivo dos seus vizinhos quanto a sua honestidade e capacidade empreendedora;
- Ser aprovado no CAC- comitê de aprovação de crédito;
Não ter restrições cadastrais, ou oferecer justificativas viáveis para seu negativamento.
Desde meados de 2010 o Banco Palmas dispensa a ficha de pré analise para créditos abaixo de R$ 400,00. Para esses tomadores de crédito a analise é feita no “balcão de atendimento” através de uma analise documental: carteira de identidade, CPF, Comprovante de Renda, fatura e outros. A liberação do crédito é feita na mesma hora.
Na medida do possível, é importante verificar se o tomador de credito tem registro no Serviço de Proteção ao Crédito-SPC. O objetivo não é eliminar por conta do SPC e sim, perceber o perfil do tomador de credito. Caso ele tenha seu CPF negativado, muitos aspectos podem ser observados, por exemplo, há quantas empresas ele deve, qual a natureza da divida, o volume dos débitos, quais foram suas tentativas mais recentes de comprar a prazo e outros. A partir dessas observações conversa-se com a pessoa e se toma uma decisão mais consciente.
Como é feita a conversão entre o real e a moeda utilizada em um banco comunitário?
A moeda é indexada ao real (uma palma vale um real) e lastreada na moeda nacional. Ou seja, a quantidade de Palmas que temos circulando corresponde a uma quantidade em de reais que temos “guardado”. 240 empreendimentos (produção, comércios e serviços) do bairro aceitam a moeda e dão descontos de 5% a 10% para quem compra com a moeda local. Os empreendimentos cadastrados podem fazer o câmbio (a troca de palmas por reais), na sede do Banco Palmas, caso necessitem de moeda nacional para reabastecerem seus estoques.
Se um morador tem reais, nada assegura que ele irá gastar esses reais no Conjunto Palmeira. Porém, se ele tem Palmas, é certo que sim, pois o Palmas só é aceito no bairro. Dessa forma um compra do outro e fica garantido que o dinheiro circule na comunidade, oxigenando o comércio, aumentando as possibilidades de trabalho, emprego e renda na comunidade.
Qualquer morador do bairro pode fazer o câmbio de Palmas por reais?
Não. Um morador, nesse caso, é considerado um consumidor. Somente os empreendimentos cadastrados podem trocar Palmas por reais.
O que é a Rede Brasileira de Bancos Comunitários? Quando foi criada e qual é a sua função?
A rede Brasileira de Bancos comunitários foi criada em 2005. A Rede é a articulação entre todos os Bancos Comunitários. Atualmente ainda é uma rede de relacionamento, onde trocamos conhecimentos, experiências, redigimos documentos coletivamente, animamos a caminhada um do outro. Estamos muito próximo de sermos também uma rede de negócios. Poderemos no futuro produzir e comercializar em rede. Hoje existem 52 bancos comunitários articulados na rede. O Instituto Palmas é a instituição coordenadora da Rede.
Desde quando existe e qual a atuação do Instituto Palmas?
Para difundir a tecnologia social do Banco Palmas, em junho de 2003, os moradores do Conjunto Palmeira criaram o Instituto Palmas (uma Organização da Sociedade Civil de interesse Público - OSCIP). Dois anos depois, a entidade firmou parceria com a Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego - TEM, com o Banco do Brasil e a Caixa Econômica, para criar a rede brasileira de bancos comunitários.
Graças a essas parcerias foi possível chegar em fevereiro de 2011 com 52 Bancos Comunitários em funcionamento no Brasil, sendo 01 no Pará, 01 no maranhão, 03 no Piauí, 27 no Ceará, 01 na Paraíba, 04 na Bahia, 04 no Espírito Santo, 05 em São Paulo, 01 no Mato Grosso do Sul e 01 no rio Grande do Sul. Atualmente mais 47 bancos comunitários estão em fase de criação.
O Instituto Palmas organizou e gerencia um Fundo de Crédito que repassa um recurso inicial de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) para cada novo Banco Comunitário criado. Além disso, facilita a implantação dos correspondentes bancários (da CAIXA ou do BB) em cada novo banco comunitário criado.
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