Por Célia Araújo, professora de Educação Física na EMEF Antonio Carlos de Andrada e Silva
Nossas brincadeiras eram pular vala, subir em muro, roubar as ameixas do vizinho e sair correndo. Aí quando começaram as obras de infra-estrutura no bairro, que era água, esgoto, luz, lembro que já tinha uma idade avançada para a época, uns 12 anos, a gente ficava até uma hora da manhã na rua quando era muito calor porque não aguentava ficar dentro de casa. E a gente, só com as luzes das casas, brincava de esconde-esconde e era uma delícia brincar no escuro porque ninguém achava ninguém.
Eram mais de 25 crianças, as mães ficavam no portão e a gente brincando, meninos misturados com meninas, de todas as idades, tinha de 06 até 14 anos, e eu era uma das mais velhas. Eu brincava muito na rua, muito.
Tinha uma brincadeira, eu não lembro o nome, mas eu gostava muito, porque como eu sou muito grandona eu abusava. Tinha que carregar uma pessoa nas costas e cada um tinha um pedaço de pedra. Você jogava a pedra e aí a outra pessoa jogava um pedaço de pedra pra bater naquela primeira e ir o mais longe possível. E a pessoa tinha que te carregar nas costas até o lugar da sua pedra. E eu me divertia com aquilo porque eu tinha as pernas compridas e ninguém conseguia me levantar. Então eu ficava em cima das costas das pessoas meio que patinando, batendo os pés no chão.
E éramos todos muito magros, naquela época não tinha criança obesa, eram crianças muito magras. Era muito gostoso brincar disso. Isso à noite, quando estava muito calor. De dia a gente brincava nos tubos de esgoto, aquelas pilhas enormes, e ali era de casinha até prédio, eu nunca tinha visto um prédio na minha vida.
Eu lembro das construções. Uma vez eu fiz uma casinha, na época do desenho dos Flinstones, na cidade da pedra, e eu fiz uma casinha inteira, eu lembro dela. Fiz todos os cômodos, com todos os detalhes com resto de construção, tijolo, fiz mesa, máquina de costura, eu fazia xícaras... eu ralava a pedra até ficar o formato da xícara, e colocava os pires e recebia as pessoas. Tinha cama, sofá, era um terreno grande que tinha do lado da minha casa, e ninguém podia entrar lá.
A minha família foi muito unida nessa época. Depois começa a escola e aí cada um vai para um lado, e formam as famílias, depois vão embora. E o bairro também já não é o mesmo. Hoje não tem mais o córrego, nem a rua, nem os vizinhos, não tem mais ninguém lá morando.
E nós, crianças daquela época, a gente lidava com a vida e com a morte de uma maneira muito presente. A gente brincava, se machucava e ficava todo mundo em volta, olhando. Eu lembro quando a minha avó faleceu e a gente recebeu a notícia. Era uma senhora muito doente e que contava muita história para a gente. Eu gostava das histórias que ele contava e a gente fazia companhia para ela, ela sentia muita dor.
Então ficava aquele monte de crianças em volta dela e ela contando histórias para a gente, depois a gente traduzia essas histórias lá fora. E quando ela faleceu, lembro que todas as crianças participaram. Nós saímos de casa em casa pedindo flores de jardim pra colocar no caixão, não tinha floricultura na época, e eu me lembro das dálias que eu pegava...
Toda a vez que eu vejo uma dália eu lembro da minha avó, não lembro muito da imagem do rosto dela, mas lembro daquele movimento de crianças, das histórias que sempre tinham uma moral.
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