sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012


















exta-feira, 3 de fevereiro de 2012




Carta para o escritor Italo Calvino 

"estamos vivos nesse território, numa analogia indiscutível e surpreendente
entre o fenômeno da estruturação do espaço urbano 
e a estruturação das diversas línguas". 

Prezado Italo,
desculpe a informalidade,
nesse momento me sinto
um Marcopolo totalmente
encharcado, com as vestes molhadas
a escorregar na cidade em que também
tornei-me invisível e que diariamente
ao me comover e viver com as pessoas, imagino
que nossos deuses protetores estão nos baldes,
na verdade somos nós mesmos que temos o poder divino,
mas posso lhe dizer que as árvores que margeiam o muro,
protetor dos trilhos do trem que vem do Brás e segue para Calmon Viana,
foram podadas mesmo que de maneira arriscada pelos trabalhadores eletricitários,
mas no dia a dia, essas árvores nos acalmam e permitem imaginar o quanto
estamos vivos nesse território, numa analogia indiscutível e surpreendente
entre o fenômeno das estruturação do espaço urbano
e a estruturação das diversas línguas.

E aproveito para lhe perguntar
“se o senhor não concorda
que os fatos arquitetônicos,
como afirma Giulio Carlo Argan,
estão para o sistema urbano
assim como a palavra está para a língua?

Bem, mas na verdade lhe escrevo,
Sr. Italo Calvino,
para lhe dizer que diariamente
atravesso a ponte de madeira
ultrapasso a linha do trem,
do limite, desloco-me
por esse espaço,
que para mim faz sentido,
de escrever e ser escrito,
de fazer parte das narrativas
metanarrativas de tudo isso,
até perder o domínio de escrever sobre,
mas ser escrito, inserido, dentro disso tudo,
ser o des – autor, estar dentro do livro - paisagem
elemento, personagem, do outro, dos outros,
sejam seres humanos,
sejam inanimados, resíduos sólidos,
seja coisa, pedaço de madeira,
barraco, cano, embalagem,
resto de tudo, resto de nada,
somente estar dentro do livro,
assim totalmente diferente
e a página nesse momento é a várzea do rio. 

Tietê, sinuoso rio, que escreve também história
em que muitas vezes, sejam narradores,
cronistas, escritores, gentes, crianças,
pássaros, poucas árvores, insetos vive-se a morte
da cidade e o nascimento de tantas outras cidades,
dentro e fora de cada um
além daquela debaixo da terra
que os mortos reproduzem
com o auxílio de nossa ficção,
as cenas de um cotidiano marcado pela inconsequente
iniquidade, condições anômalas e quiasmáticos cenários
numa mimese de alegria, tristeza, degradação,
efeitos especiais, como limites e riscos
que se corre quando se quer
que tudo funcione melhor, nessa nossa,
muitas vezes equivocada intenção
de sincronizar fenômenos,
num perspéctico quadro
em que os olhares,
os amores e os desejos,
tornam-se excitantes
e excitados passageiros,
nas ruas e avenidas
de um não - lugar,
deslocalizado
invadido,
maltratado.

Mas prezado escritor, Italo Calvino,
Aqui, Zona Leste dessa cidade,
as águas da chuva descem inadvertidamente
até o sinuoso córrego circunvalado
afluente fluentemente e humanamente projetado,
um outro caminho, escoamento, passagem entre casas,
aprendi com Sr. Tarciso, com ar professoral,
morador e amante das coisas que existem no chão,
as ruas, as vielas, as casas. 
  
Em cada prosear com os moradores,
traça-se um plano diretor afetivo,
análises eletivas do lugar,
a desenhar uma estratégia
a cada momento para quiçá bem viver,
pois a cidade, bem sabe Sr. Calvino,
precisa sempre de um momento de arrumação
e de uma previsão de futuros desenvolvimentos. 

Como uma obra literária, a cidade necessita também de imaginação
e sabedoria para fazer da literatura uma cidade
e de toda cidade, literatura
com suas gentes, jeitos,
maneiras de viver, habitar,
formas comunicativas,
artísticas...

Prezado Calvino,
desculpe o papel molhado,
chove na várzea Tietê,
Jardim Lapenna, sul do planeta,
e agora ao adentrar a viela estreita,
um velho morador com suas veias saltadas
e rugas acentuadas acena com um jornal comunitário.
E assim em frente à casa de Dona Antonia,
o velho morador inicia o discurso,
uma mistura de desabafo e consternação:

“tenho um plano para organizar esse pedaço de mundo, 
pedaço, metade água, metade terra. 
construiríamos nosso bairro de um jeito
que ele fosse subindo, ruas andaimes, 
e tudo funcionaria nas alturas, o comércio, as escolas, 
as crianças brincariam nas alturas, 
capaz de tudo ser melhor. 
Somente os pássaros não gostariam, 
principalmente os gaviões com suas rotas, 
Por aqui nessas grotas existem muitos, 
A moça que trabalha no Galpão 
de cantar, ler, escrever, musicalizar, 
comunicar, cozinhar, sempre observa os pássaros". 


A vantagem de um bairro erguido
é que se pode ter uma visão mais geral
do chão que nesse momento pisamos.
Enchente, nem pensar, impossível,
o único problema é fincar, bem fincado,
o primeiro andaime no chão.

Para subir, uma escada para os jovens e educadores.
Um elevador para os mais velhos.
Tenho aqui um desenho de como seria
O Lapenna Alto, ou Alto Lapenna,
Assim se chamaria,
Nome importante,
"Parece bairro de bacana, 
Esses em que tudo é melhor que aqui".

Senhor Italo Calvino
creio que percebeu
o quanto tudo isso
aqui escrito tem a ver
com o senhor.

Por isso lhe peço,
quando tiver um tempo,
visite-nos para gente
contar e ouvir histórias
dessas cidades – bairros invisíveis,
porém existentes ao sul do planeta,

um grande abraço visivelmente citadino
e se puder responder à essa missiva,
agradeço literalmente. 

José

1 Comentário:

Unknown disse...

Trocando as bolas

Como sabes João, digo José de tanto protesto protestante virei, sendo frugal economizei, trabalhando acumulei e, assim cheguei + perto do céu ou da Paulista. Sei q se ajuntado não tivesse o monstro das muitas cabeças não viria. Quero sentir seu sentir, abraçar seu abraço, seu chuva me molha, mas já a deriva ando há muitas milhas e águas daí. Toda-via um son ecoa em su viola e nos aproxima feito sinal em batuque do toco. Ponteia ela poesia Planalta-Piratininga ensinando a "Ler o Mundo" nesse "Olho de Vidro" vamos aqui e acolá balançando nos vagões da vida mugindo por um 6:08, em nossas vidas, tudo por um expresso. Alô Guaianazes, São Mateus, Itaquera e o zíper invisível Itaim Paulista que de paulista só mesmo a farinha. Chora cavaco... de novo... Melhor deixa! Olho-no-olho chuva que lava e leva-nos a nos mostramo-nos sem máscaras e proteções. A alegria é prova dos nove, de dentro pra fora e de fora pra dentro. Amigo todas a cidades são invisíveis para quem já não tem os "Olhos Azuis". Como diria Ítalo: meu Calvário começa com a Carta del Lavoro e sabes bem onde termina bello...

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