quarta-feira, 25 de maio de 2016
A democracia
açoitada pela coerção, manipulação e persuasão
Vivemos uma
configuração relacional em que passamos a racionalizar o significado de
autoridade num complexo sígnico - híbrido perigoso em que coerção,
manipulação e persuasão se confundem linguística – política – culturalmente,
provocando alteração de significados, numa conjuntura em que a informação
perigosamente deixa de considerar o processo histórico como elemento
qualificador da comunicação social.
Entre teatros
hameletianos e ímpetos macbethianos, nos golpes e contragolpes, engendram – se
histerias, crueldades, ilegalidades, e a constatação de que antes de se chegar
ao poder, é necessário definir que tipo de poder se quer.
Historicamente
sempre fomos expectadores distantes das grandes mudanças. Na passagem do
império para república no Brasil, dentre
tantos exemplos, não fizemos parte das decisões, a participação popular foi
pífia. Isso naquele tempo em que não tínhamos o poder de influência exercido
pela estrutura midiática de hoje. Nossa caminhada republicana, a princípio,
reforçou a nossa condição subserviente, pois no ideal republicano não constava
solidamente a proposta do fim do escravagismo e, mesmo com a liberdade
negociada, a partir de interesses mercantis, a exclusão e o preconceito
persistiram em existir, ainda existem, contribuindo para uma sociedade desigual
com a presença do patrimonialismo e do escravagismo.
Ao olhamos para a
década de 70 do século XX, verificamos que emergem movimentos sociais
desejosos de uma democratização de um outro tipo. Diante da crise das
instituições liberais, as formas de representação perdem a confiança. Há um
desejo de democracia plena, surgem os movimentos de bairros, a mobilização pelo
transporte, moradia, os mutirões, diferente do que se entendia, até então, como
democracia social. Surge um partido que na verdade é uma espécie de federação
de movimentos sociais. Porém no final da década de 90 e início do ano 2000 há
uma desmobilização desses movimentos, eles vão, aos poucos, saindo dessa
"federação", desse abrigo político – representativo diante do
estabelechiment, porém esse novo partido, consequentemente um novo grupo
político de ideário voltado a compensar as dívidas históricas – sociais
passara, desde os anos 90 a governar cidades, como uma nova concepção, e chega
ao poder nacional em 2002.
As correções e as
compensações históricas – sociais, ao longo da trajetória desse grupo político
que passa a governar o país, com uma linha de pensamento diferente dos grupos e
governos anteriores a acontecer, ocorrem em meio a algumas alianças perigosas,
as quais são feitas para garantir a
aprovação de medidas voltadas à equidade e a igualdade. Assim, algumas
concessões são feitas e verificam-se também tropeços éticos significativos e
uma cultura de governar que pressupõe acordos protetivos com grupos que já
detiveram o poder de governar, mas mesmo assim há uma enorme diferença em relação
a um governo de pensamento e atitudinal neoliberal.
Durante uma década alimentamos nossa
esperança, avançamos social e economicamente, mesmo com a herança das
privatizações especulativas de nossa infraestrutura, as quais comprometeram
nossa soberania, vivemos um governo
voltado à base de nossa pirâmide social.
A partir de junho
de 2013, numa autêntica demonstração de utopia iconoclasta, e em nome de uma “avançar
mais”, pelo direito à cidade, às mobilidade urbana, por uma escola de
qualidade, jovens foram para as ruas,
trazendo alento e dinamizando a necessidade de uma nova lógica democrática.
Para muito fica subentendido que essas manifestações, de certa forma, se opõem
a lógica perversa do capitalismo e um estado que prioritariamente visa o lucro,
além de uma crítica subliminar a princípio, mas aos poucos explicitadas, à
cultura de governar com ligações perigosas, uma constante na real politik e,
até hoje, a juventude continua a ocupar os espaços públicos e a indicar, que no
mínimo, tem que haver mudança no modus operandi de nossas cidades e um recado
de resistência e oposição, sobretudo à política de mobilidade urbana e
principalmente a de educação capitaneada por grupos privatistas, dentre eles há
mais de duas décadas no estado de São Paulo.
Com exceção do período que compreende os últimos 14 anos, pouco se fez
nacionalmente em nossa trajetória como país, para reparar as fraturas expostas
causadas pela desigualdade, inequidades, a miséria social, o desrespeito às
liberdades, o que significa repudiar as formas de dominação e considerar como
preponderante para o desenvolvimento humano a urgência ecológica e urgência
social.
Porém, nesse momento, no país - “gigante latino – americano”, vivemos momentos
de açoite à democracia. Há um movimento para a volta e o reforço do
neoliberalismo, de um estado governado pelo mercado com a concepção de
financeirização da natureza, mercantilização do biológico e privatização dos
serviços fornecidos pelo meio ambiente, confiando-os às grandes transnacionais e, como numa
brincadeira de cartas, pode comprometer as nossas significativas conquistas
sociais e de acesso aos direitos, há um conflito que ameaça as nossas
principais conquistas sociais dos últimos 14 anos.
Depois de viver mais de uma década de “uma certa subversão” de uma ordem social
perversa e de atenuar a lógica cruel do capital, percebemos, hoje que as
facilitações para que ocorresse essa “subversão necessária” e consequentemente mais igualdade, foram
autorizadas pelos detentores do mercado e da classe política “tradicional”
e que houve uma “operação”, similar a tantas outras do passado, para
vencer os escrutínios, o que na realidade demonstra que sem uma reforma
política, mesmo com um grupo político com um pensamento antagônico ao
neoliberalismo chegar ao poder e iniciar um conjunto de reformas, foi
necessário montar uma estratégia com uma
evidente tenacidade de envolvimento em transações obscuras.
Sim, o mercado
também lucrou, mas o processo de inclusão social (programas sociais) teve um
salto, impulsionado com os ventos do aquecimento do consumo, vontade política e
o cenário da economia mundial. Mas um ligamento do tendão de Aquiles foi
exposto: a desconexão com os movimentos sociais em seus anseios de reforma
ampla e de continuidade das conquistas. Aos poucos, as “ligações perigosas” com
grupos conservadores fizeram com que retroagisse a ideia de uma dinâmica de
descontinuidade de uma linha de pensamento que sempre priorizou os interesses
do mercado em detrimento do social.
Assim, quando nos primeiros sinais de que o capital especulativo corria perigo,
um movimento de esquartejamento de um partido foi lançado, com espetáculos
produzidos e articulados entre judiciário, classe política e veículos de
comunicação para linchamentos morais, investigações somente do partido
governista e, nesse momento, apesar dos esforços de alterar significados dos
enunciados, outros grupos partidários também tem a sua vida oculta revelada,
claro ainda numa desmedida info - comunicacional – psicofluídica perversa em relação
ao partido que no final dos anos 70 abarcou os movimentos sociais.
Diante desse quadro
a democracia corre um risco, pois começam a surgir, pulular aqui e ali as
arquiteturas ilegais que envolvem, a princípio, dois dos três poderes,
injetando nesse cenário, o qual podemos denominar Pós – Político, uma
configuração em que a palavra Golpe” censurada pelos artífices desse risco,
vitimou também simbólica e politicamente uma mulher que governava o país,
condenada sem as devidas provas, numa terrível e perigosa “armação” alimentada
por ressentimentos e vinganças, que vão desde as esferas da coisa pública até a
propagação comunicacional a atingir ruidosamente as opiniões e as relações dos
e entre os cidadãos de uma nação.
Se a democracia
nasceu da descrença moderna, pois se antes dos modernos se cortavam a cabeça
dos reis, os gregos romperam o vínculo com o pastor divino. Platão nos ensina
bastante sobre a morte do pastor e a autorização do Deus Kronos para que os
homens governem, mesmo com seus equívocos e, assim se interrompe o poder da
filiação, o poder de ser governado pelos sábios, o poder de ser governado pelos
ricos, e (Ranciére “A política do Pastor Perdido) “a democracia trouxe
uma nova ordem e inverte a relação entre governante e governado, assim como inverte
todas as outras relações, garante “a contrario” que essa relação seja
homogênica com as outras e exista entre governante e governado um princípio de
distinção tão certo quanto a relação entre aquele que engendra e aquele que é
engendrado, aquele que vem antes e aquele que vem depois: um princípio que
garante a continuidade entre a ordem da sociedade e ordem do governo, porque
garante sobretudo a continuidade entre a ordem da convenção humana e a da
natureza.
Mas diante das
vicissitudes, mesmo com a legitimidade e a legalidade de ser governado por quem
não tem poder algum e por isso é reconhecido, implicou a necessidade, nesses
tempos pós – políticos de ficar atento às “facas dos que promovem um retrocesso
na sociedade brasileira”. Com o bordão de nossa bandeira, os detentores desse
“poder nacional provisório” demonstram que não tem nenhum comprometimento com a
redução das desigualdades, nessa terra em que a preservação da subcidadania
sempre esteve presente nas ações de quem tem o poder de governar e influir para
que essa condição seja naturalizada.
Nas bordas desse
país existem sonhos para transformar esse mundão. Por existirem, ultrapassam
oniricamente as trancas e os batentes, tem potencial para produzir afetos e
atitudes para um bem viver, só nos resta ter olhos para esse princípio de
transformação de nossa sociedade, considerando a necessidade que cada um de nós
viva para a construção da equidade e para que a democracia, em hipótese alguma,
seja açoitada pela coerção, manipulação e persuasão, pois a nação - menina está
cansada de apanhar, muitas vezes de se bater e se debater numa retroalimentação
de segregação e injustiça e perceber, muito depois, seu ledo engano. Daí pode
ser tarde demais.
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