Morava em Serrolândia – BA, perdi meus pais muito cedo, então fiquei com minha avó. Esse povo de idade não tinha força de vontade de ver a gente aprender. Os homens, eles mandavam para a escola, as mulheres não, para evitar que as meninas escrevessem bilhetes para os namorados, eu era filha única, então ela não deixava mesmo ir para escola.
Fiquei só naquele serviço de roça, cuidando de criação, de criança e o tempo passando. No entanto eu chorava de vontade de estudar, quando eu via minhas coleguinhas passando para ir à escola. Cansei de chorar e minha avó dizia: “não vai não, que você vai sozinha e os moleques vão mexer com você”. E naquilo, para gente ser obediente, pois as crianças de hoje não fazem mais isso, se as mães dizem não, elas dizem sim, eu vou e aprendo. Mas eu não tinha coragem de desobedecer os mais velhos como hoje se faz. Não tinha mãe e nem pai, e me criei um pouco desorientada, acredito que quando a gente tem a mãe ombro a ombro com a gente, na adolescência é uma maravilha e eu não tive.
Fiquei sem estudo e me casei com 25 anos. Depois de 4 anos de casada vim para São Paulo, logo que cheguei aqui eu pensei, que num lugar desse não dava para ficar sem saber nada, eu não sabia ver uma rua, um ônibus, então com 15 dias aqui eu já me “pichei” no Mobral*. Com 2 meses já consegui todos os meus documentos, mesmo assinando com o dedão e para mim já foi grande coisa. Gente do céu, eu nunca esperava que eu ia ter um documento, título de eleitor, que ia votar, pois na Bahia eu não votava com essa idade eu não sabia de nada, não tinha como. Depois que cheguei aqui na primeira eleição que teve, eu já votei. E continuo votando até hoje, enquanto chegar a “sessão” de votação eu estou votando, não importa a idade.
Com 32 anos, assim que cheguei, aqui na Zona Leste, passei a estudar lá na Ponte Rasa, depois fiquei grávida. Não tinha quem tomasse conta dos meus filhos, estava sem minha família, então parei de estudar, quem ia deixar a filha sozinha para estudar, se eu não tivesse criança minha cabeça hoje era num computador, tudo que eu via eu aprendia.
Minha filha cresceu e eu voltei a estudar no colégio Marinha do Brasil, no alto da Ponte Rasa e tinha tudo que tem hoje nas escolas: lanche, trabalho em grupo e individual. Lembro que eu gostava muito. Depois a escola entrou em greve e “pintou” essa casa aqui em São Miguel, aí ficou difícil para mim, pois eu trabalhava lá (alto da Ponte Rasa). E para eu trabalhar lá e estudar, tinha que deixar minhas meninas aqui em São Miguel... Para chegar lá depois das dez da noite não era fácil, aí eu parei com tudo.
Mudei para São Miguel em 1990, no principio só por uns dias, porque o povo falava que aqui era um lugar ruim de morar, mas ruim ou bom, eu queria sair do aluguel. Hoje estou aqui. E pergunta se eu quero sair?! Já não quero mais ir embora, só se for para um lugar maior, melhor. A gente tem que procurar o que é melhor pra gente.
Em relação a oficina do e-mail à rede, eu gostei. Aprendi um pouco, foi difícil, por nunca ter usado um computador, mas já é meio caminho andando, pois eu tenho um computador em casa e posso treinar mais.
MOBRAL (O Movimento Brasileiro de Alfabetização) - surgiu como um prosseguimento das campanhas de alfabetização de adultos iniciadas com Lourenço Filho, na década de 70, período do regime militar.
Dona Cícera, 67 anos, moradora do Jardim Lapenna.
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