segunda-feira, 20 de setembro de 2010


Daniela e seu diário de bordo de menina mulher

Estudei em um colégio pequeno, perto de Araci, Bahia, também perto de Feira de Santana, a sala era de madeira e só tinha até a 8ªsérie, porque é um povoado muito pobre e pequeno. Nós passávamos sede porque não tinha água, não tinha merenda e quando tinha merenda, roubavam, passavam a serra na grade e entravam e pegavam as merendas, uma luta para sobreviver. não tinha comida, lá, onde nasci, é um lugar muito difícil.

Um caminhão de água vinha até onde morava, era muita gente, então era um balde d’água para cada família tomar banho, beber, fazer comida. Morava num lugar muito seco, “trabalhava de olaria” prá sobreviver. Tinha 09, 10 anos, já pegava o jegue para ir buscar água no rio bem longe. Quando chegava em casa já estava morrendo de canseira e, a água que trazia, quase acabando porque eu bebia o caminho todo. Vinha com água pra lá de Tucano, de um lugar às margens do Rio do Peixe. Ah... Esqueci de dizer que morava com minha avó, nessa época, num povoado que não ficava muito longe de Feira de Santana.

Passei a morar em Tucano, trabalhava e estudava lá. Não gostava de trabalhar em Olaria preferia trabalhar em uma casa de família. Daí comecei a trabalhar numa dessas casas, patroa ruim da peste, inclusive ameaçava me bater. Em Tucano estudei um ano, nem lembro a série, era muito difícil, a patroa não queria que eu estudasse não, mas eu falei para ela, que não ia desistir porque se queria arrumar coisa melhor de trabalho, precisava estudar. Só que a mulher começou a querer me bater quando eu fazia as coisas erradas, fiquei lá uns 3 meses e vim embora, ela nem me pagou os dias que trabalhei, só a passagem. Ela me levou para o Jorrinho ( Caldas do Jorro - BA).

Lá em Jorrinho fiz a 6ª série, trabalhava em uma barraca na pista, acordava cinco horas da manhã e trabalhava até as dez da noite ou mais, não tinha horário para parar, era quase a noite toda vendendo.

Ainda na Bahia arrumei um trabalho melhor no Beira – Rio, um restaurante que vendia moqueca de peixe. Foi lá que eu mudei minha vida, a patroa de lá me dava coisas que eu precisava, o que ela comprava para ela, comprava para mim, parecia essas novelas das seis. Ela era muito boa comigo, me criava como se fosse uma filha. Foi quando na casa da minha avó, conheci meu esposo. Ele havia morado quatro anos aqui em São Paulo e depois voltou para a Bahia, ai a gente começou a namorar, nos casamos e viemos morar aqui em São Paulo. Porém quando estava grávida com 14 anos, ainda na Bahia, deu-se uma tristeza...

Estava com dois meses de gravidez, fui para a casa da minha prima pois, onde morava, o tanque era só para a gente beber e fazer comida, já minha prima morava pertinho do rio. Eu me preparava para lavar a roupa no rio e pedi para um menino, da casa de minha prima, tirar a bacia da minha cabeça, foi então que o marido da minha prima passou a mão em mim, como eu vi que ele estava meio bêbado, corri, só que eu não sabia que ele estava com uma espingarda. Ele atirou, não acertou em mim, mas pegou no olho da menina dele. Correndo, desesperada, grávida fui para a casa da minha sogra. Chegou meu marido perguntou o que era. Não tinha coragem de responder, mas o primo do meu marido contou. Não conseguia falar. Meu marido foi atrás do marido de minha prima, mas não fez nada com ele, não. Isso foi na segunda feira, na terça feira deram queixa dele. O marido de minha prima foi preso, duas semanas na cadeia, e eu perdi o bebê.

Cheguei em São Paulo, em abril desse ano (2010). Moro aqui no Lapenna. Vou estudar, agora já dei meu nome na escola, vou voltar a estudar... Minha tia estava fazendo curso aqui no Galpão e mandou eu me inscrever, daí eu vim, quero fazer esse curso do “email e a rede”, mexer no computador, aqui nesse Núcleo, é Núcleo o nome desse lugar, não é? Estou com 15 anos, no começo foi difícil, ao chegar em São Paulo, porque meu marido não estava trabalhando e a gente morava na casa do meu cunhado, irmão dele. A casa era muito pequena e quando ele começou a trabalhar, meu pai veio nos buscar, aliás, meu pai, quando morava na Bahia nunca assumiu a paternidade, agora ele me reconhece.

Quanto à minha mãe, morei com ela em São Paulo, porém o marido dela me assediava, me incomodava, daí desisti de morar lá.
Fui morar, um tempo, com meu pai no Guarujá. Meu pai falou que dava a casa para a gente morar, mas a gente não queria depender dele. Meu marido arrumou um emprego, e eu atualmente sou “cuidadeira” de uma criança aqui no Lapenna, dá uns trocados, meu pai deu as coisas para a gente.

Moramos numa casa alugada. Ah, logo que alugamos a casa no Lapenna, meu marido trabalhava a noite e eu dormia sozinha. Só que ai chegou um tempo que eu não agüentava mais ficar sozinha. Ainda não conhecia ninguém, era o tempo todo dentro de casa, daí falei para ele, para o meu marido, e o convenci. Ele passou a trabalhar de dia. Ah, a criança que cuido, é o filho do meu cunhado. Gosto de cuidar de criança, mas o menino é muito danado, ele me bate, ele corre para dentro do guarda roupa. Mas eu dou conta. Ah, conheci o Ação Família, a Mariselma disse que eu sou uma menina, mas me vejo com bastante experiência, sofri bastante, mas as coisas vão mudar, eu quero mudar. Vou providenciar os meus documentos e sei que tudo vai dar certo.

Daniela Sousa – 15 anos
Moradora do Jardim Lapenna
Nasceu em Tucano na Bahia
Com 14 anos veio para São Paulo

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