Crônica do Cometa
Violentamente Pacíficos
(Inspirado no livro de Maria Lourdes Trassi e Paulo Artur Malvasi)
Diariamente embarco na Luz com destino ao Tatuapé, lá baldeio para o trem Calmon Viana. Na segunda – feira, 27 de setembro, acompanho uma conversa entre dois adolescentes. Um diálogo recheado expressões idiomáticas, melódicas funkianas, um efeito de comunicação que aproxima e ao mesmo tempo para muitos, distancia, em função de nosso pré - julgamento.
- Veja essas fotos, sangue bom. Tirei do google. Lá tem uma ferramenta que você consegue acompanhar o movimento da sua “quebrada” – diz o primeiro adolescente.
- “Baguio louco”. Se tiver alguém no campinho mexendo na farinha, o baguio focaliza? – observa o segundo adolescente.
- É mano, peguei “as manha” de mexer no google. Imprimi essas imagens pra mostrar à dona da pensão. Lá no trampo “os cara” liberam, tipo, uma hora por dia, tá ligado? – observa o primeiro adolescente
- Nossa, o baguio desse google é louco – constata o segundo adolescente.
Faz-se silêncio no diálogo e os olhos dos garotos se voltam para uma criança.
- Ah velho, o moleque ta crescendo. Mano,é a “maior responsa”. Ontem catei o moleque, ele tá com 09 meses. Pensei vou pegar o moleque no colo e dar banho nele, tá ligado? Assim, eu de pé e ele no colo, debaixo do chuveiro. Mas bateu aquela chuva embasada e acabou a luz. Daí, esquentei a água e enfiei o moleque no balde. Mano, o moleque se divertiu, tá ligado? – diz o primeiro adolescente.
- Oh velho, ser pai deve ser maior veneno. Até que você leva jeito para coisa. Mano, acho que a Jucileide tá com o bucho cheio, velho. Nós não vamos tirar, não – confessa o segundo adolescente.
- Então, saca só, você vai ter que dar um trampo. Pois o que salvou a gente, eu e Preta, foi que descolei um trampo no escritório do advogado do Paulinho Tomate. Faço o movimento dos lances de rua, e os caras pagam bem. Se liga, to até registrado, convênio médico e escambal. E eu tô me virando, pergunto tudo pros cara. Tô até a fim de voltar a estudar, quem sabe ser advogado, doutor? E você tá ligado que sou “de maior”? Fiz dezoito – considera o primeiro adolescente.
- Então velho, tô com dezessete e o pessoal lá da ONG me indicou um cursinho. Você tá ligado que acabei o ensino médio, foi daquele jeito. Mas tô indo no cursinho, esse que a ONG indicou, é lá na USP – Leste. É o maior barato. Até tenho umas dificuldades, mas sabe d’uma coisa, estudar evita a gente desandar. Ah, a Jucileide tá dando um trampo, já faz dois anos, registrada, agora, daqui a pouco, vai entrar de licença - maternidade. Velho, quando soube que ela estava grávida, quase fiz uma besteira, ia me envolver com o Sapão, “manja” o Sapão? Mas vou descolar um trampo, sei que vou, tô correndo atrás – projeta o segundo adolescente.
- É verdade, velho, a gente tem que ficar ligado para não desandar. Tá ligado a galera da Nitro? Lembra daquela galera que nós vivíamos naquelas baladas da hora? Então desandaram no crack – revela o primeiro adolescente.
Oh velho, valeu vou descer aqui em São Miguel – observa o segundo adolescente.
- Valeu mano, vou descer em Aracaré.
- Tomara que não chova forte.
- Diz que daqui a pouco vai parar.
- Falou.
- Falou.
O cumprimento dos parceiros se faz. Também desço aqui em São Miguel Paulista. Penso que tantos outros jovens dessa cidade, vivem nesse fio tênue, a se equilibrar na vulnerabilidade.
Um livro indicado por um parceiro de trabalho, grande amigo e mestre acaba de chegar no Galpão: “Violentamente Pacíficos”. Creio que é o nome dessa cena real, de uma cidade real, como dizem os garotos, na real desses dias “ninguém pode dar uma de "“vacilão””.
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