segunda-feira, 13 de junho de 2011

Fotógrafo João Laet

Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor de “Um homem chamado Jesus”, entre outros livros. Em entrevista exclusiva ao NCC, ele fala sobre a relevância dos movimentos sociais em São Miguel Paulista, dos programas de combate à miséria, a importância das mídias locais e ainda cedeu um artigo sobre homoafetividade.
Acompanhem:
NCC: Qual o legado dos movimentos sociais estimulados pela Igreja Católica em São Miguel Paulista nos anos 70 e 80?
Frei Betto: Além de os movimentos animados pela Igreja atuarem para favorecer a queda da ditadura militar, eles criaram, em São Miguel, um novo perfil de Igreja, mais participativo, menos clerical, mais povo de Deus, como propôs o Concílio Vaticano II. É importante ressaltar que aqueles movimentos formaram muitas lideranças pastorais e políticas, que até hoje atuam em favor dos pobres e excluídos.
NCC: Qual o papel das comunidades de base nos movimentos políticos – sociais? Frei Betto: O próprio Lula já declarou em público que as CEBs tiveram mais importância na capilaridade nacional do PT que o movimento sindical. As CEBs foram sementeiras de movimentos populares, sindicais e políticos. Raras as lideranças populares que não iniciaram sua militância pelas CEBs ou pela Pastoral Operária.
NCC: Qual o papel da igreja no desenvolvimento local?
Frei Betto: A Igreja como tal não participa de projetos de desenvolvimento, porém suscita lideranças que o fazem. Talvez o papel mais importante da Igreja seja o profético, de analisar e avaliar os projetos de desenvolvimento local quanto à sua pertinência para as classes mais pobres, sem entrar nos detalhes técnicos.
NCC: Na sua opinião, o que é desenvolvimento sustentável? E nessa vertente, como podemos avaliar o desenvolvimento do Brasil nos últimos anos?
Frei Betto: Desenvolvimento sustentável é o que não há no Brasil, é aquele que se processa pensando nas gerações futuras. Ora, projetos como Jirau e Belo Monte não dão a mínima às gerações futuras, estão centrados na obtenção do lucro imediato. Desenvolvimento sustentável é quase um pleonasmo, pois todo desenvolvimento, para fazer jus ao nome, tem que ser sustentável.


NCC: A grande mídia estimula a participação comunitária ou é necessário que as localidades possuam os seus veículos de comunicação, as suas mídias – cidadãs?

Frei Betto: Cada vez é mais necessário multiplicar meios de comunicação locais, sobretudo através das redes sociais. Os grandes meios não têm interesse de estimular a participação comunitária. Não querem formar cidadãos e sim consumistas.


NCC: Os programas sociais de combate a miséria como o Bolsa Família, por exemplo, surtiram o efeito esperado?
Frei Betto: Melhor que o Bolsa Família era o Fome Zero, como descrevo em detalhes em meu livro sobre os dois anos em que atuei no governo Lula – “Calendário do Poder” (Rocco). O Fome Zero tinha caráter emancipatório, o Bolsa Família é compensatório. Ainda não encontrou a porta de saída das famílias que nele ingressam. Me parece que o Brasil Sem Miséria é uma reedição do Fome Zero. Espero não estar equivocado.


NCC: O fato de recentemente uma pessoa que conviveu com a escassez e as adversidades ter sido presidente da república, reflete a transformação do pensamento político brasileiro?
Frei Betto: Evidente. Lula tem uma grande sensibilidade social, pois experimentou não apenas a pobreza, mas inclusive a miséria e a exclusão social. Espero que o governo Dilma prossiga na mesma linha e realize reformas de estruturas, como a agrária.

NCC: É possível estabelecer uma rede para transformação social, somando a dinâmica mobilizadora da igreja com os movimentos de moradores das localidades onde existe ausência de políticas públicas e escassez de equipamentos sociais?

Frei Betto: Governo é como feijão, só funciona na panela de pressão. Há que formar redes de pressão sobre o poder público, que é o nosso servidor. Somos nós que pagamos os salários dos políticos e os escolhemos. De modo que eles têm obrigação de nos prestar contas. Porém, isso não dispensa iniciativas que setores da Igreja e movimentos sociais podem assumir para minorar o sofrimento da população, como abrir uma creche, uma escola de música, um curso de profissionalização, etc.


NCC: No Brasil, hoje, podemos dizer que a educação está voltada ao desenvolvimento de consciência política ou estamos distantes disso?
Frei Betto: Infelizmente estamos longe de uma educação conscientizadora. Nossa educação mal aborda as questões políticas e os vinte e um anos de ditadura militar. São exceções as escolas que se preocupam em formar cidadãos felizes e não consumistas, e mão de obra qualificada para o mercado de trabalho.


NCC: As transformações sociais são resultados de mobilizações coletivas (sejam da organização civil ou dos próprios governantes), como a escola pode contribuir para estimular as participações coletivas e o pensamento de natureza comunitária?

Frei Betto: Pode contribuir muito. É preciso incentivar a formação de movimentos sociais e pastorais e, através deles, de novas lideranças políticas, mais éticas e comprometidas com os direitos dos excluídos.

NCC: Na sua visão, o sacerdote é uma referência política nas comunidades?
Frei Betto: Deveria ser, de preferência, uma referência espiritual. Prefiro que leigos sejam referências políticas. É muito importante investir na formação de leigos e desclericalizar a Igreja Católica.



NCC: Vivemos um momento de questionamentos sobre temas, até então intocáveis (tabus), como anticoncepção, pesquisas com células-tronco, homoafetividade, entre outros. A igreja sempre teve posições definidas e perenes sobre eles, há possibilidade desta instituição rever princípios? E seus membros podem divergir ou provocar novos olhares?
Frei Betto: Quanto a isso lhe envio o artigo abaixo, que responde bem:

OS GAYS E A BÍBLIA

*Frei Betto

É no mínimo surpreendente constatar as pressões sobre o Senado para evitar a lei que criminaliza a homofobia. Sofrem de amnésia os que insistem em segregar, discriminar, satanizar e condenar os casais homoafetivos.

No tempo de Jesus, os segregados eram os pagãos, os doentes, os que exerciam determinadas atividades profissionais, como açougueiros e fiscais de renda. Com todos esses Jesus teve uma atitude inclusiva. Mais tarde, vitimizaram indígenas, negros, hereges e judeus. Hoje, homossexuais, muçulmanos e migrantes pobres (incluídas as “pessoas diferenciadas”...).

Relações entre pessoas do mesmo sexo ainda são ilegais em mais de 80 nações. Em alguns países islâmicos elas são punidas com castigos físicos ou pena de morte (Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Nigéria etc).
No 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 2008, 27 países membros da União Europeia assinaram resolução à ONU pela “despenalização universal da homossexualidade”.

A Igreja Católica deu um pequeno passo adiante ao incluir no seu Catecismo a exigência de se evitar qualquer discriminação a homossexuais. No entanto, silenciam as autoridades eclesiásticas quando se trata de se pronunciar contra a homofobia. E, no entanto, se escutou sua discordância à decisão do STF ao aprovar o direito de união civil dos homoafetivos.

Ninguém escolhe ser homo ou heterossexual. A pessoa nasce assim. E, à luz do Evangelho, a Igreja não tem o direito de encarar ninguém como homo ou hétero, e sim como filho de Deus, chamado à comunhão com Ele e com o próximo, destinatário da graça divina.

São alarmantes os índices de agressões e assassinatos de homossexuais no Brasil. A urgência de uma lei contra a homofobia não se justifica apenas pela violência física sofrida por travestis, transexuais, lésbicas, etc. Mais grave é a violência simbólica, que instaura procedimento social e fomenta a cultura da satanização.

A Igreja Católica já não condena homossexuais, mas impede que eles manifestem o seu amor por pessoas do mesmo sexo. Ora, todo amor não decorre de Deus? Não diz a
Carta de João (I,7) que “quem ama conhece a Deus” (observe que João não diz que quem conhece a Deus ama...). Por que fingir, ignorar que o amor exige união e querer que essa união permaneça à margem da lei? No matrimônio são os noivos os verdadeiros ministros. E não o padre, como muitos imaginam. Pode a teologia negar a essencial sacramentalidade da união de duas pessoas que se amam, ainda que do mesmo sexo?

Ora, direis ouvir a Bíblia! Sim, no contexto patriarcal em que foi escrita seria estranho aprovar o homossexualismo. Mas muitas passagens o subtendem, como o amor entre Davi por Jônatas (I
Samuel 18), o centurião romano interessado na cura de seu servo (Lucas 7) e os “eunucos de nascença” (Mateus 19). E ao tomar a Bíblia literalmente, teríamos que passar ao fio da espada todos que professam crenças diferentes da nossa e odiar pai e mãe para verdadeiramente seguir a Jesus.

Há que passar da hermenêutica singularizadora para a hermenêutica pluralizadora. Ontem, a Igreja Católica acusava os judeus de assassinos de Jesus; condenava ao limbo crianças mortas sem batismo; considerava legítima a escravidão e censurava o empréstimo a juros. Por que excluir casais homoafetivos de direitos civis e religiosos?
Pecado é aceitar os mecanismos de exclusão e selecionar seres humanos por fatores biológicos, raciais, étnicos ou sexuais. Todos são filhos amados por Deus. Todos têm como vocação essencial amar e ser amados. A lei é feita para a pessoa, insiste Jesus, e não a pessoa para a lei.

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