quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Conversa com Dona Ana, lá no Mutirão



“Os dias de sol dessa primavera têm um friozinho que refresca, mas ás vezes incomoda. Pela manhã, agora sozinha, pois minha mãe partiu, café preto, pãozinho de ontem e margarina, por aqui no Mutirão do Lapenna, penso na nossa vida, sabe essa vida de todo mundo, claro a partir das “minhas vistas”, essa vida comum a todos, com nossas crenças, atitudes e muitas vezes tenho a sensação sobre esse lugar, esse bairro, assim distante de tudo, outras vezes tão perto.



Quando caminho até o Galpão encontro as pessoas, o Padre, o pessoal todo, esses moradores, falando sobre nossos problemas, pensando em como resolvê-los, mas apesar de tudo é muito pouco, podemos fazer mais. Muitas vezes me pergunto se hoje, agora, não seria o momento de todo mundo nesse mundo, não reconsiderar esse ‘sempre foi assim mesmo’.



Aqui na quitanda, quando o senhor passa por aqui, a gente conversa sobre a vida, a história. Tenho tanta história, minha memória está boa, apesar dos sessenta. Guardo os 'causos' da minha mãe, preta velha, baiana, que sacudiu a poeira, eta baiana brasileira! Não só Jacobina se orgulha dela, mas quem a conheceu aqui no Lapenna sabe que a velha era arretada.



Cuscus repartido com a vizinhança, sempre nas terças – feiras ela, minha mãe, despedia-se dos passageiros do ônibus, aqui mesmo no fim da rua da Mutirão, tanta gente que ia e vinha de Jacobina. Nossa, o senhor desculpa, ta vendo tô chorando, saudade da preta, essa ‘muié’ que me criou. Ela benzia quebranto das crianças. Cosme e Damião e tantos outros santos de uma Bahia que parece também com ‘Sumpaulo’.



Mas a hora passa e o tempo cheio de hora, uma, duas, passa o tempo e como passa. E eu me vejo aqui com o senhor conversando nesse final de tarde quase noite, nesse lugar que a gente ouve bem o barulho do trem e a saudade silenciosa para fora, dentro da gente faz um barulhão.



Quando se chega num lugar para morar, vinda de outro onde se nasceu, primeiro dá raiva e eu confesso pro senhor, tive raiva quando cheguei por aqui. Era menina. Depois fui brincando, vi que o tempo é outro tempo nesse lugar: várzea, rio, lagoas, vegetação, beira – rio, claro era eu e minha mãe. Não, não invadimos, era um pedaço de terra que encontramos, hoje compreendo um pouco os que invadem, até olho e ajudo aqueles que estão dentro da água e rezo para Nosso Senhor do Bomfim e São José, minha mãe era devota, que ajudem o nosso movimento para melhorar as nossas condições de vida.



Ah, já falei uma vez pro senhor, esse jornal que o senhor faz com as juventudes das escolas e do bairro, junto com os adultos, pode ajudar muito a melhorar as condições de vida, pois esclarece. Tem também aquele outro jornal que o Padre Ticão distribui. Sabe que dá vontade de ver essas conversas da gente nesses jornais. Claro e os jornais têm também que explicar explicadinho como funciona a cidade que a gente está dentro, apoiar e divulgar o que se precisa e o que se conquista.



Sabe vejo muita televisão, na verdade muitas vezes somente para criticar. Falta orientação das coisas na ‘telinha’ e também compreender as coisas, até mesmo o fato de estarmos todos aqui nesse lugar.



Vige, Sr. Cometa, deixei o cupim no fogo, deixa eu desligar, se não vai queimar. O senhor me espera ai um pouco, enquanto arrumo a mesa para gente saborear essa comida do jeito que minha mãe fazia, quando eu chegava do estudar. Viche, pena que sai da escola cedo, mas continuei a desenvolver, como dizia minha mãe preta, a sabedoria popular. Consigo entender a relação das coisas. Como ouvi outro dia a gente tem que se emancipar, cada um e todo mundo, tenho consciência do que pode a inteligência.



Ah, se fosse outros tempos, convidaria o senhor para amanhã, pela manhã, já que é sábado, cantar e conversar na beira do rio, junto com as crianças, soube que o senhor gosta de música, é verdade?”



- Oh, Dona Ana, aceito o convite imaginário, mas podemos cantar lá no Galpão, pois a gente junto, a senhora sabe, canta muito melhor.

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