sábado, 14 de janeiro de 2012

ENSINO PROFISSIONALIZANTE NO BRASIL -
ENCONTRAMOS NA REDE UMA ENTREVISTA CONCEDIDA
POR DANIEL HAMMOUD AO BOLETIM FUNDAP - CEBRAP /
"POLÍTICAS PÚBLICAS EM FOCO" EM 2008,
compartilhamos com vcs


ENTREVISTA – DANIEL HAMMOUD
"Falta fonte de recursos para o financiamento da educação profissional"
Para especialista, há uma grande demanda reprimida e o governo precisa mapear sistematicamente as necessidades de qualificação


Daniel Hammoud é profissional raro no contexto brasileiro. Sua trajetória o credencia como especialista em ensino profissionalizante – ou “ensinos profissionalizantes”, como gosta de ressalvar. Duplamente graduado pela USP – em comunicação social e história e ainda graduado em pedagogia –, Hammoud não conseguiu pesquisar ensino profissionalizante na academia, por falta de interesse dos programas de pós-graduação. “Há muito preconceito. O ensino profissionalizante é visto como bom só para o filho dos outros.”
O aprofundamento no tema se deu então de outras formas. Ele cursou especialização em técnicas modernas de educação pela Escola Normal Superior de Saint-Cloud, como bolsista do governo francês. Em Hachiochi, participou do curso de políticas de educação profissional, promovido pela Agência de Cooperação Internacional japonesa. Participou ainda de curso de educação de adultos realizado pela Unesco no Chile. O conhecimento de causa veio também da labuta cotidiana: trabalhou por 16 anos no Senac-SP. Hoje atua como consultor e viaja todo o Brasil em razão dessa atividade, auxiliando entidades e empresas que investem em ensino profissionalizante. Na entrevista a seguir, ele trata das principais questões que envolvem o tema abordado nesta edição.


Como o Senhor caracteriza a educação profissionalizante e quais são os traços que a distingue do ensino formal?
A educação básica, que compreende a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, deve ser sempre oferecida ao maior número possível de crianças e jovens, com a melhor qualidade possível, para que toda a população possa alcançar os mesmos patamares de escolaridade. Além de básica, ela deve ser comum a todos os cidadãos. Com relação à educação profissional, é diferente. Ela deve responder às necessidades das estruturas produtivas, e sua oferta deve ser criteriosamente planejada, de maneira a atender às diferentes demandas das áreas profissionais. Se a educação básica tem objetivos abrangentes e perenes, senão permanentes, os objetivos da educação profissional são específicos, diversificados, dependendo da área profissional, e mutáveis, na medida em que a introdução de novas tecnologias ou novas formas de organização da produção ou do trabalho colocam a necessidade de se rever permanentemente os objetivos e conteúdos de tais cursos.
Adicionalmente, é preciso considerar que educação profissional é um conceito abstrato. O que existe na realidade são múltiplas “educações profissionais”, cada uma delas com identidade própria e com objetivos distintos. Afinal, qualificar um técnico de enfermagem é muito diferente de qualificar um técnico em agropecuária.



Qual o balanço que o Senhor faz da oferta do ensino profissionalizante no país e o papel dos governos? Existe coordenação de atuação entre elas?
A expansão crescente da oferta de ensino médio por parte do poder público, sobretudo pelas redes estaduais, aumenta a escolaridade de grande parte da população jovem do país, mas não a qualifica a ingressar no mercado de trabalho. Como a maior parte desses jovens não apresenta as condições para disputar as poucas vagas de cursos de educação superior nas universidades públicas e gratuitas e também não tem condições de arcar com os custos de cursos de educação superior oferecidos por instituições privadas de ensino, esse contingente é, em princípio, a clientela potencial natural dos cursos de educação profissional técnica de nível médio, desde que gratuitos.
Há assim, em nosso país, uma enorme demanda reprimida, que ainda não foi quantificada com precisão, por educação profissional gratuita, sobretudo por cursos de educação profissional técnica de nível médio.
No âmbito da administração federal, o Ministério da Educação mantém uma expressiva rede de 160 unidades de educação profissional, composta por 79 centros federais de educação tecnológica e unidades de ensino descentralizadas, 36 escolas agrotécnicas federais, uma escola técnica federal e uma universidade tecnológica federal, com 11 campi, além de 33 instituições de educação profissional vinculadas às universidades federais. No entanto, a rede federal de educação profissional passa, no momento, por um processo de substituição dos cursos de educação profissional técnica de nível médio, até há pouco tempo atrás majoritários em sua grade de cursos, por cursos superiores de tecnologia e mesmo por cursos de bacharelado e de licenciatura.
À exceção dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, a maior parte das administrações estaduais não mantém redes de escolas de educação profissional. Na maioria dos demais Estados, existem algumas poucas escolas de educação profissional remanescentes do período em que o antigo ensino de 2º grau (atual ensino médio) era compulsoriamente profissionalizante, ou então que foram implantadas mais recentemente, no âmbito do Programa de Expansão da Educação Profissional (Proep), gerido pelo Ministério da Educação.
O Estado de São Paulo, por intermédio de seu Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, vinculado à Secretaria de Desenvolvimento, mantém uma grande rede de escolas técnicas, composta por 141 Escolas Técnicas (Etecs) e 47 Faculdades de Tecnologia (Fatecs), que estão presentes em 122 dos 645 municípios do Estado. As Etecs atendem 118 mil estudantes – 30 mil no ensino médio e mais de 87 mil em 86 cursos de educação profissional técnica de nível médio. A Fatecs, por sua vez, atendem 25 mil alunos, distribuídos em 39 cursos superiores de tecnologia.
Mas mesmo nestas duas maiores redes de educação profissional (a federal e a do Estado de São Paulo) a demanda ainda é tão grande que o acesso aos cursos é feito por meio de concurso público de ingresso, denominado “vestibulinho”, que acaba por privilegiar os jovens que tiveram oportunidade de freqüentar boas escolas de ensino fundamental e médio, freqüentemente privadas, a exemplo do que também acontece com o processo de acesso às universidades públicas. Há até cursos preparatórios aos “vestibulinhos”, que cumprem a mesma função que os cursos preparatórios aos exames vestibulares das universidades.



A que o Senhor atribui essa tendência de transformar o ensino técnico público federal em cursos superiores? É um processo equivocado de elitização do que deveria ser acessível?
Esta tendência, que é perceptível apenas na rede federal de educação profissional, parte do pressuposto de que há um maior número de jovens que conclui o ensino médio e que demanda educação superior, seja na modalidade de educação profissional de nível tecnológico, seja na modalidade bacharelado e licenciatura. Se é verdade que há um número maior de jovens
concluindo o ensino médio, é verdade também que parte desses jovens preferiria que lhe fosse oferecida maiores oportunidades de freqüentar cursos mais curtos, que correspondessem a perfis profissionais cuja demanda pelo mercado de trabalho fosse maior e estivesse mais bem definida. É importante ainda lembrar que há um grande contingente de jovens que tem a expectativa de se qualificar profissionalmente ao mesmo tempo em que freqüenta o ensino médio, para ingressar mais rapidamente na vida produtiva, sem prejuízo da possibilidade de vir a fazer curso de educação superior em outros momentos de suas vidas. É justamente a esses jovens que a rede federal deveria oferecer mais vagas nos cursos de educação profissional técnica de nível médio, concomitante ou não com a oferta de ensino médio.



Qual o balanço que o Senhor faz da oferta de cursos profissionalizantes no que se refere aos conteúdos? Tem sido ensinado o que os alunos necessitam para crescer profissionalmente?
No universo dos cursos ditos profissionalizantes, há uma grande oferta de cursos livres, ou seja, que não são submetidos a qualquer tipo de regulamentação por órgãos normativos da área educacional. Na maior parte dos casos, não são ministrados por escolas reconhecidas como tais na forma da lei e freqüentemente não conduzem a uma ocupação bem definida no mercado de trabalho.
Em vez de desenvolverem todas as competências profissionais relacionadas a um determinado perfil profissional, algo desejável para as pessoas sem qualificação profissional que buscam ingressar no mercado de trabalho, tais cursos desenvolvem apenas parte dessas competências, o que não habilita os alunos que os freqüentam a disputarem uma vaga no mercado de trabalho. É o caso dos cursos de idiomas e de informática básica, dentre muitos outros. Tais cursos são às vezes confundidos pela população como sendo cursos de qualificação profissional básica. As pessoas são atraídas por eles, pelo fato de terem uma duração mais curta e serem mais baratos.



Como a transformação dos setores da economia tem influenciado a oferta de cursos de capacitação/qualificação profissional? Como tem sido adaptada a oferta de cursos, em termos de conteúdos, à demanda desse novo quadro econômico?
Como dito anteriormente, a oferta de educação profissional tem como pressuposto básico as demandas do setor produtivo, para qualquer um dos três setores da economia: primário (agropecuária e extrativismo), secundário (indústria) e terciário (comércio e serviços). A análise do quadro socioeconômico brasileiro atual revela que, já há algum tempo, o país é predominantemente urbano, ou seja, a maior parte de sua população encontra-se nos núcleos urbanos e não mais no meio rural. Esse processo de urbanização desordenado, com amplas repercussões sobre a qualidade de vida nas grandes cidades, teve início com o aumento progressivo da concentração fundiária e a modernização das atividades agropecuárias, às quais se aplicam cada vez mais tecnologias modernas, o que implica a necessidade de trabalhadores rurais com perfil profissional distinto daquele previamente existente. Por outro lado, tem aumentado a importância da participação das atividades econômicas dos setores secundário e terciário na economia nacional, desenvolvidas sobretudo no meio urbano.
As linhas gerais de tais mudanças, bem como todos seus desdobramentos e implicações, devem ser criteriosamente ponderadas pelas instituições de educação profissional por ocasião da definição da oferta de seus cursos. Cabe destacar ainda a tendência crescente ao aumento da participação dos serviços no conjunto das atividades econômicas desenvolvidas no Brasil, sobretudo nas metrópoles e grandes cidades, à qual as instituições de educação profissional devem dar a devida atenção.



O Senhor acha que há condições para uma oferta de ensino profissionalizante de maior fôlego (tipo Fatecs) por instituições privadas?
Afortunadamente, uma parcela cada vez maior da população se dá conta de que o universo ocupacional atual é muito mais diversificado do que o existente há algum tempo atrás e que as possibilidades de qualificação para se exercer uma série de novas profissões compreendem cursos de educação superior, mas também cursos de educação profissional técnica de nível médio. No entanto a maioria da população – sobretudo a das cidades maiores, nas quais há grande oferta de cursos de educação superior, ainda que privados – considera que tais cursos são uma alternativa que confere mais prestígio profissional do que os cursos de educação profissional técnica de nível médio. As instituições educacionais privadas, atentas a essa percepção da população, têm aumentado a oferta de cursos de educação superior, inclusive de cursos superiores de tecnologia, ao mesmo tempo em que reduzem a oferta de cursos de educação profissional técnica de nível médio.


O Senhor enxerga uma espécie de preconceito com relação ao ensino profissionalizante no Brasil? O imaginário de país dos bacharéis não envelheceu em contraste com as demandas do mercado de trabalho?
Ao analisar a posição relativa da educação profissional comparada a outras modalidades de educação, deve-se considerar inicialmente que a educação superior, qualquer que seja ela, é antes de mais nada uma forma de educação profissional. Ninguém negará que o principal objetivo dos cursos de engenharia, medicina, pedagogia, dentre muitos outros cursos superiores, é o de qualificar bons profissionais nestas áreas. Mas, para uma parcela da população, tais cursos são importantes, sobretudo, pelo fato de serem superiores, o que a leva eventualmente a preferi-los em detrimento dos de educação profissional técnica de nível médio, talvez mais adequados a suas necessidades por terem duração menor e oferecerem maiores possibilidades de inserção profissional.
Outra consideração importante é que não há, em princípio, oposição entre a oferta de educação básica, sobretudo do ensino médio, e a de educação profissional. Como dito anteriormente, a educação básica deve ser o patamar mínimo de escolaridade de toda a população brasileira. A educação profissional, em qualquer nível em que seja oferecida, deve ser complementar a ela. Há pessoas que entendem que a oferta de educação básica e de educação profissional são mutuamente excludentes, ou seja, a oferta de uma delas implica a impossibilidade da oferta da outra. Ora, é evidente, por exemplo, que a biologia ministrada no âmbito do ensino médio se constitui em uma base científica fundamental para a formação de técnicos de enfermagem. Isso significa que uma educação básica de qualidade é fundamental para a construção de um bom projeto de educação profissional, seja ele de nível técnico ou de nível superior.



Como o Senhor avalia a atuação do chamado Sistema S e os questionamentos recentes do Ministério da Educação com relação à transparência na utilização dos recursos?
Na realidade, o que a imprensa passou a denominar Sistema S não se caracteriza propriamente como um sistema. As entidades componentes são o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), o Sesi (Serviço Social da Indústria), o Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), o Sesc (Serviço Social do Comércio), o Senat (Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte), o Sest (Serviço Social do Transporte), o Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) e o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).
Essas entidades são independentes. Gozam de autonomia administrativa, técnica e financeira para se organizar da maneira que julgarem mais conveniente em cada uma das unidades da Federação. Isso significa, por exemplo, que a programação de cursos profissionalizantes do Senai do Estado de São Paulo pode ser bastante distinta da programação da mesma entidade no Estado vizinho de Minas Gerais. O que é comum a todas essas instituições é o fato de terem sido criadas por leis federais que lhes asseguram o financiamento de suas atividades por intermédio de contribuições compulsórias. Dentre outras, a principal crítica que se faz a estas instituições atualmente é o fato de cobrarem pelas atividades oferecidas, apesar de disporem de recursos que lhes são garantidos por lei.



Qual o grande desafio que o Senhor enxerga para a qualificação profissional no País?
Os maiores desafios que se impõem à educação profissional, na atualidade, são três. Em primeiro lugar, a definição de fonte de recursos garantida por lei para o financiamento da educação profissional pública e gratuita a ser oferecida pela União e pelos Estados e o Distrito Federal. Em segundo lugar, a implantação, na estrutura do Ministério da Educação, de um sistema de abrangência nacional, de caráter permanente, para o mapeamento contínuo das demandas por trabalhadores qualificados e que deveria abranger todo o universo de possibilidades de qualificação profissional, dos cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores aos cursos de educação superior, passando pelos cursos de educação profissional técnica de nível médio. E, por fim, a implantação, no âmbito do Ministério da Educação, de um órgão de coordenação do sistema nacional de educação profissional, supra-institucional, para planejar e articular sua oferta de maneira integrada, em todo o território do país, de maneira a evitar sobreposições de esforços e a existência de lacunas de atendimento e de cobertura.


Hoje, 2,5% da folha de pagamento das empresas são destinados por lei ao chamado Sistema S. Não seria questionável destinar por lei recursos orçamentários a essa finalidade? Por quê?
Na realidade, os recursos que sustentam as instituições que integram o que a imprensa convencionou de chamar de Sistema S não são recursos do orçamento federal, mas resultam de contribuições compulsórias que as empresas são obrigadas a recolher sobre o valor de suas folhas de pagamento e que se destinam exclusivamente à manutenção dessas instituições. Tais recursos, embora não sejam tecnicamente considerados como impostos, são percebidos pela sociedade como se assim fossem, uma vez que seu valor é embutido em todos os bens e serviços que a população consome. Tal percepção leva naturalmente a sociedade a considerar essas instituições como se fossem públicas e a exigir delas a mesma transparência que se exige habitualmente dos órgãos da administração pública, o que é correto. Atualmente há uma iniciativa do Legislativo federal, mais particularmente do Senado Federal, que pretende criar fonte de recursos garantida por lei para o financiamento da educação profissional. Trata-se do projeto de lei nº 274/2003, de 17/07/2003, do Senado Federal, de autoria do Senador Paulo Paim (PT-RS), que institui o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional e Qualificação do Trabalhador (Fundep).

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