sexta-feira, 6 de janeiro de 2012



Nem a cidade dos homens, nem a cidade de Deus. Se Santo Ambrosio nos visitasse diria: “semiduraturum urbium cadavera”

por Luiz Alfredo Tchacatcho


Desde pequeno brincava na Alameda Cleveland, a rua que tem na esquina o casario onde morou Santos Dumont. Na época, lá pelos idos de 1970, a instituição Pestalozzi ocupava aquele espaço onde hoje está instalado nesse imóvel o Museu da Energia, guardador das memórias da Light.

No final da rua havia uma passagem que dava para o trilho do trem e margeando a malha ferroviária, debaixo e nos arredores, o viaduto que até hoje liga as avenidas Rio Branco e Rudge, tínhamos a grande fábrica, orgulho dos moradores mais antigos do Bom Retiro e da Barra Funda.

Pois bem o tempo passou, a Moinho Santista não existe mais, São Paulo não parou para pensar, nos últimos 40 anos, nem um pouco, com profundidade, um plano diretor que dialogasse com o que se verificava de anomalias e desequilíbrios, sendo que a ocupação do solo, a habitação sempre foi uma de nossos grandes problemas, principalmente pelo fato, de que um grande contingente de pessoas, teve que a principio se aproximar dos bairros centrais, ou dos bairros de classe média – alta, para conseguir trabalhar, já que vivenciamos um processo de desindustrialização intenso e abrupto.

Depois disso, a população que não conseguia seu espaço dentro das áreas “recomendadas” para viver na urbe com a devida infra-estrutura foi, digamos assim, empurrada para as localidades as quais denominamos periferia, iniciando um processo de favelização, que também atinge o centro da cidade, como bem observara o geógrafo Milton Santos, projetando uma extensão de ocupação irregular, com perspectivas de percorrer as vias que unem São Paulo ao Vale do Paraíba e Rio de Janeiro, isso na Zona Leste, sendo que a Zona Norte, agora também com o Rodoanel entrecortando a Serra da Cantareira também já evidencia novos desequilíbrios e vulnerabilidades.

Não temos nada contra o Rodoanel, mas no que diz respeito à condução de um processo relativizado ambientalmente realmente deixou a desejar, sendo que seu traçado invade áreas de mananciais e, a possibilidade de ocupação, aliás, como já ocorrera antes mesmo de sua construção e finalização, foi acentuada e não foi pensada, aliás, coisificamos nosso planejamento urbano há muito tempo.
Mais uma vez fazemos grandes obras, sem um devido pensar na totalidade, nos seus reais impactos no lugar, o que continua a demonstrar que somos uma cidade de improvisos de uma ordem vultuosamente insustentável, e se Santo Agostinho nos visitasse diria: “semiduraturum urbium cadavera” (a cidade se assemelha a um cadáver).

Sim, vivemos também um quiasma habitacional nas zonas sul e oeste da capital e, para variar, as desapropriações do passado e as atuais não são planejadas, como as verificadas nesse momento na região de Itaquera, como recentemente afirmou Raquel Rolnik – relatora especial da ONU para o direito à moradia – “a máquina de produção de favelas está em operação”.
Só em Itaquera são 70 mil famílias afetadas pelas obras da Copa que desconsidera direitos, sem deixar alternativa para os despejados, enquanto que a valorização dos imóveis próximos à grande arena do espetáculo da copa e em grande parte de Itaquera prenuncia grandes negócios imobiliários. Ah, minha São Paulo, tão rica e tão pobre! Perguntamos: Copa pra quem e pra quê? Sendo que a conta será paga, mais uma vez, pelos mais pobres.

Sim, a vida é um moinho, como diz o poeta em outro contexto. No caso do moinho da habitação, nossa cidade que conta a cada dia com novas famílias vivendo em aglomerados e em regiões inóspitas, revela um outro moinho, aquele que desintegra, sem políticas habitacionais, mói –se e varre para debaixo do tapete qualquer perspectiva de melhora dessa anomalia. O que se verifica são recompensas desestruturadas e imediatamente definidas pela ordem executiva em arranjos emergenciais e frágeis.

E, só para lembrar, alteram-se leis municipais tão rapidamente para beneficiar empreendimentos imobiliários, porém a mesma velocidade e vontade política não existem, nem para pensar, quanto mais para aprovar políticas de habitação consistentes, que dialoguem com educação, saúde, infraestrutura urbana que beneficiariam a quem sempre paga a conta: os mais pobres.
Governas-se e legisla-se para uma parte da cidade, e a outra parte não cabe nessa barafunda de nossa unidade administrativa.

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