domingo, 27 de janeiro de 2013


Com a palavra a cidade

E o tempo passou. 459 anos de existência,
na minha condição de unidade administrativa,
território composto de humanos e não humanos,
como poderes de governar e legislar
inúmeras vezes comprometidos
com hordas perigosas e contaminantes,
com meu corpo, minhas entranhas cortada por cabos,
fibras óticas, ao mesmo tempo ruas alagadas,
sistemas viários inócuos, rios e gentes
em constante sofrimento, escrevo
a todos para que percebam
o papel orgânico de vocês,
e para tanto, utilizo
a literatura.

Sim, acolher e expelir milhões pessoas e, a cada ano, mais de mil carros
são despejados em minhas avenidas, avançando por minhas marginais, ruas,
além dos trilhos que acolhem destinos, mulheres em tripla jornada, oprimidas,
grávidas,  em pé,  nos trens lotados, energia, transportes caóticos, sem alimentar
minha condição anímica da cidade, totalmente em desespero ao sentir as doenças
de um habitar sofrível, além das manchas vermelhas nas calçadas de meus extremos,
corpos juvenis, arranjos dessarranjados de um descontrole social claro e, se tudo está
em tudo, as terras distantes do país que faço parte, expulsam para cá os que não fazem parte
de um monocultura insustentável a abalar a terra e desmerecer a agricultura
familiar dessa gente.

Assim, todas as minhas extremidades são ocupadas, e percebo que alguns poucos, é verdade,
colhem narrativas desejosas de se reconhecer por aqui, esperançosas ainda de bem viver,
sim, são tantas pátrias, tribos, localidades, cada qual com uma cáritas, um jeito, um tino,
um traço, um teco e ainda pasmo fico, por exemplo, quando percebo que outras cidades, muitas, localizadas em cima do maior aquífero do mundo, não tem água potável,
e tudo que produzem tem o custo de desvitalizar a terra.

Sim, são tantos que lutaram por uma outra forma de viver,
porém esses poucos não foram ouvidos nem reconhecidos>
no país que faço parte jovens assassinados,
pássaros feridos, cidades colapsadas...  

Sou uma cidade que parece ter perdido a alma,
um corpo, um organismo em estado de vertigem,
atendo demandas e interesses obscuros,
cortaram-me e adaptaram próteses cruéis,
verdadeiros sustentáculos de uma cultura de governar
e de uma natureza de estado doentias,
provocando sintomaticamente sucessivos quiasmas,
megalópole de tantos sentidos,
porém sem sentido de ser uma cidade.

Ah, como queria ser uma cidade que garantisse os direitos de proteção à vida!
É doloroso constatar que pouco ou quase nada de amor restou de minha gente
para com a sua cidade, é que cada um precisa ter seu sonho de cidade,
de ser cidade, fazer parte dela, até mesmo essa cidade que escreve
esse desabafo, precisa desejar ser uma outra cidade
numa constante necessidade de entrelaçar
o afetivo, o sensível e o sustentável.  

Nesse momento em que um jovem prefeito assume o papel de ser o principal representante de nossa governança, e que me encontro fatigada, com máculas, misérias e descasos, acumulados em meu organismo, traduzidos e demonstrados em cenas e situações
dramáticas e traumáticas, momento em que as desigualdades  e medos foram
acentuados pela iniquidade, necessito salientar que o antídoto para meu estado doentio,
é passar a pensar em mim como forma sensível de civilização,
talvez um recomeço que se sustente naquilo que venha
a ser o que cidade sempre se destinou a ser:
uma morada que traga luz à relação simbólica  
que estrutura seus bairros, vilas...

Caros citadinos, agora um pouco mais leve,
por manifestar por meio da literatura, essa linguagem
que toca na subjetividade da essência de viver junto,
minhas sensações advindas de minhas entranhas,
acredito, em meio, aos desatinos daqueles que lutam
pela minha mais completa cura, que cada vez mais
faz-se necessário ações tecidas no me ver
como um grande espaço que faça sentido educativo,
permanentemente interagindo com essa terra, esse planeta,
com o universo de nossas mais remotas sensações de bem estar e viver
num lugar em que todos se reconheçam como integrantes orgânicos
de um ser cidade policentricamente desenvolvendo - se
dentro de uma perspectiva altruísta, criando solidariedade,
mudando a natureza do estado, levando em conta
os custos ambientais e sociais do que se produz
por uma economia em que muitos perdem
e poucos ganham, sendo que a herança
comum é a minha deterioração.

Assinado: Cidade de São Paulo 

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