domingo, 24 de fevereiro de 2013


A amoreira e as escoriações de um educador

Para apanhar as amoras maduras que invadiam carinhosamente a escola, ultrapassei os muros e, enquanto o bedel com ar distraído, ou melhor, mais atento às crianças do que a mim, sentei-me em cima do muro, uma parte do corpo para fora outra parte para dentro. Percebi a ausência de formas animadas nas tantas aulas e de tantas outras formas de habitar a escola.
Percebi também que nossas expectativas nos limitam a um educar estabelecido para que as crianças e jovens aprendam a se relacionar com as autoridades, além do aprimoramento das formas punitivas, delimitando a aproximação e o distanciamento entre atores sociais, seguindo princípios de contenção social, por vezes em movimentos letárgicos, outras vezes voluptuosos.
Insistimos em não ultrapassar os muros visíveis e invisíveis de nossas escolas, casas, espaços que poderiam fazer sentido para a construção de um mundo multicêntrico. Concordamos em estigmatizar os pobres das bordas e, como as políticas públicas não dão conta de reverter o processo de concentração de renda, iniquidade e desigualdade, legitimamos a alternativa que o estado encontra como saída: a repressão, consequentemente voltada à juventude pobre, dentro de uma lógica de conservação da identidade do dominado pelo dominador.
Ao transgredir o muro para apanhar as amoras, percebo que um grande número de jovens pobres, dentro de um sentido insustentável de nosso modelo de viver, nasce e cresce na condição que reforça a produção de pobreza. A maioria de nossos alunos torna-se inútil para as exigências de um mercado orientado para o consumidor e pelo jogo de sedução mercantil.  
Engasgo com a fruta, pois percebo que os custos com tecnologia e equipamentos punitivos de vigilância ultrapassam muitas vezes os destinados a recuperação das pessoas excluídas e, na minha terra a população carcerária cresce assustadoramente.
Caio. Machuco-me. Pequenas, porém significativas escoriações de um educador. O vermelho da amora impressiona os educandos que me amparam. Percebo ao toque do sinal que perdemos a noção de nossa temporalidade social e nosso modo de avaliar as mudanças, como também de atribuir valores às experiências das gerações anteriores, é que fomos invadidos por um caráter, um viver e um educar fundamentado na noção e estímulo de uma dinâmica insustentável de se viver junto.
Até os mesmo em relação aos tabletes que chegaram na escola, imediatamente, antes de tudo, atribui-se a função de controle, desdobramento de formas punitivas. Sejamos mais animados com as novas tecnologias que permitem ações e produção colaborativas de conhecimento.
Sinto-me responsável pela multiplicação dos muros, pelo não estabelecimento do diálogo entre a escola e a cidade, o mundo. De repente meus sonhos de “um outro mundo possível”, deram lugar a um modo de agir e ensinar fragmentado, objetivado em formatar pessoas, a partir de uma unanimidade do que representa e significa  “vencer na vida”. Mas que vida estamos falando, ou melhor, que viver é esse e que educar queremos?
O segundo sinal tocou. São tantos sinais que nos provocam a refletir sobre tudo, até sobre a linda amoreira, sábia e sensível invasora a transpor o muro da escola.  

Vivian Mattos (educadora Rede Pública de São Luis – MA)
José Luiz Adeve (Comunicação Comunitária – Fundação Tide Setubal - SP) 

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