quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O dia em que me senti ridículo, porém feliz

Foi numa dessas manhãs em que a gente percebe que um livro se relaciona a tantos outros livros, numa dessas manhas em que a percepção da existência de que além da intertextualidade é vivo o entrelaçamento e experiências / sentido das pessoas sobre  educação, mesmo sem ter lido a “História do Pensamento Pedagógico”. Mas foi numa dessas manhãs que me senti ridículo e até objeto de chacota de alguns sábios seres que consideraram viagem e maluquice o que consegui trazer de colaboração, a partir do recolhimento de olhares e visões diversos e pertinentes a um educar expandido.
Acreditava, talvez inocentemente ou num lampejo de “mestre ignorante”, ter somado contribuições e insertes de inteligência para algo educacional em que estava envolvido, não por motivo de mérito ou então de conhecimento específico aprofundado nos conceitos pré- existentes, mas em função da decorrência do processo de relacionar-se de habitar um pedaço do mundo na dinâmica orgânica e anímica de aprender e ensinar.
Portanto, naquela manhã, depois de tantas outras manhãs, havia uma sensação de “Aventino” somada ao que lera sobre as Confissões de Santo Agostinho” que inspirara Rosseau em suas reflexões, porém tudo isso trazido por uma agradável leitura de um livro de Jacques Ranciére.
Mas foi num momento em que necessitava unir pontos e descobertas advindos das necessidades de organizar coletivamente um caminho, o qual assim como os livros se intertextualizam, e que sugeria entrelaçar espaço – urbano com escolas e pontos de convivência num território, estava a pensar em tudo e em todos daqueles dias de pensar junto.
Mas foi num sábado, adventista ou não, num Galpão em uma cidade invisível, consegui, na verdade conseguimos com a ajuda de crianças, adolescentes, jovens e adultos, em especial uma educadora da rede pública e uma jovem poeta organizar as ideias num desenho propositivo para aquele sonho de conectar pontos de uma cidade educadora: projetar uma visão - aspirações que tem em relação à aprendizagem dos coletivos, impacto na comunidade e na relação com o território.
                Pensávamos e escrevíamos que primeiro seria necessário consolidar uma espiral conectiva de valores dentro do território garantindo a participação sistêmica dos múltiplos atores. Em seguida garantir a gestão participativa e de envolvimento da comunidade nos processos de aprender, ensinar, pensar, propor, decidir e aplicar, considerando a necessidade de uma radiografia da comunidade no levantamento histórico detalhado sobre as condições sócio - econômica e cultural das famílias, além de apropriar-se usar os indicadores de aprendizagem formal, não – formal e informal expressos na comunidade.
                 Tudo deveria nessa proposta conectar a resistência criativa à autonomia estimulada pela que já se desenvolve na educação pública da cidade. Seriam construções singularizadas, mas não particularizadas – ou seja, a proposta deveria ser orgânica com a cidade, ela seria singular, mas não uma fatia. Estar voltada ao todo para a composição da cidade, e provocar uma efetiva contribuição na Rede de Proteção Social do território – cidade   como definidor da identidade urbana.
                Formatamos então uma proposta em um formato convencionado pelos estudiosos e cientistas da educação, claro sem perder a ternura e a singularidade de ter nascido no “mangue da diversidade das descobertas”. Claro que havia no processo de organizar para ser entendido  a tentativa embrutecida de adaptar à linguagem pedagógica dominante – secular, o que seria uma estratégia para ser lido e ouvido pela roda dos cardeais, doutores e afins, mas a grande virtude era, em dúvida, a intencionalidade em ser compartilhado com os co-autores invisíveis aos olhos e sentidos dos prepotentes excessivamente exatos.
                Assim, apressei-me a compartir (gosto do verbo assim nesse infinitivo latino – americano) e, em meio às ações de articular, reunir, pensar e fazer junto, enviei uma mensagem aos que estão no topo da hierarquia valorativa do coletivo que faço parte.
                Porém essa iniciativa tornou-se objeto de crítica  de uma manifestação que machucou a configuração poética dos encontros. Mais precisamente fui caracterizado e denominado como enfermo acometido por um surto, além, é claro de ser chamado de ignorante nesses assuntos de educar, o que para mim soara como elogio por tudo que acredito. Mas uma certeza persistia: junto com os jovens ensinávamos o que não sabíamos, isso era o que importava e acalentava a dor, pois também já quis ser o sábio e quiçá reconhecido pelas “realezas acadêmicas” e pelos senhorios das comunidades de destino, pois já fui contagiado pela hierarquia valorativa dominante, apesar de doente de outras doenças, dessa estou curado.
                Apesar de se tornar o ridículo, tantos outros dias se seguiram e tantas recompensas tecidas por viver, no mínimo, o par experiência – sentido e um aprender constate com o outro e com os outros, sobretudo crianças e jovens, além de contribuir na revelação de tantas histórias dessa gente, senti – me feliz.
                Feliz ao constatar e viver a “**a certeza que a cultura e especialmente a linguagem, é algo que faz com que o mundo esteja aberto para nós. Mas quando uma forma converte-se em fórmula, em bordão, em rotina, então o mundo se torna fechado e falsificado. Porque, às vezes, nos livros, nos filmes ou, até mesmo, na paisagem há tantos bordões que nada está aberto. Nenhuma possibilidade  de experiência. Tudo aparece de tal forma que está despojado de mistério, despojado de realidade, despojado de vida”. E o melhor é a educação pela vida.

                Ridículo e louco para alguns, triste com a pecha, mas feliz: eu sou feliz e me relaciono com tantos outros mestres ignorantes, gente que tem o poder de aprender e ensinar o que ignora. 

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