segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016


A Caminho de um Território Educador
Parte 2: A dimensão orgânica - considerar a educação configurada
como prática  efetivamente cultural e política

Quando na perspectiva de um território educador
surge a necessidade de que conhecimentos específicos
e complexos sejam compartilhados  com os habitantes
de um território, é necessário um trabalho político pedagógico
a envolver crianças, jovens e adultos e no nosso caso
a partir de um Galpão de Cultura e Cidadania

                        A várzea do Tietê tem sido objeto de estudos dos últimos quase 20 anos, desde, inclusive com mais dinâmica e profundidade praticamente desde a criação da APA do Tietê em 1997, de Universidades, Institutos e Órgãos da Gestão Pública. Mas aqui, nesse lugar onde vivemos a nos dedicar a projetos e ações voltadas ao desenvolvimento, nessa desmesurada dessa área ocupada, habitada, composta de frações de zona de interesse social e de Proteção Ambiental que abrange São Miguel Paulista, revela organicamente toda uma trajetória de políticas urbanas ineficazes. 
Atuamos nesse território, num ponto dessa área, propriamente no Jd Lapenna, como educadores e arregimentadores de atores para uma articulação entre instâncias do poder público, universidade e comunidade, nesse bairro que mais recentemente recebeu mais paulistanos expulsos, por uma lógica perversa do capital, dos lugares onde antes viviam e, agora, utilizam os pedaços dos espaços públicos que sobram ou se apropriam dos espaços nunca antes foram pensados como público.
A comunidade do território do Jardim Lapenna fragmentado em quatro geografias o Alto Lapenna, o Médio Lapenna, o Baixo Lapenna e, mais recentemente o “Lapenna Invisível” necessita, para poder dialogar entre si e com o Poder Público, sociedade civil e a cidade, compreender como funciona a cidade, o que exige um trabalho educativo, considerando a “educação configurada como prática efetivamente cultural”, além do resgate de sua vocação solidária, valorizar a sua história e a conexão com a história da cidade, até mesmo diante da cruel hierarquia valorativa da própria cidade. “Essa gente precisa saber sobre a legislação, os poderes constituídos e como operam, mais os instrumentos que a cidade possui para lidar e intervir em  áreas críticas como essas” (Ranulpho Rocha – Professor da Rede Pública Municipal) .
Assim, na elaboração de um caminho político – pedagógico para a realização de um território educador, considerar como elementos substanciais inerentes às ações coletivas voltadas ao desenvolvimento da localidade, a geografia, a história, o letramento político, a identificação e difusão das culturalidades, além da necessidade de transpor os conhecimentos produzidos pelos urbanistas e demais cientistas para uma linguagem que perpasse as atividades compreendidas no CCA local, nas creches, na escola estadual, na UBS, no espaço público.
As pessoas da comunidade precisam ter consciência do poder que tem em cada lugar no qual estiverem. Isso advém de um exercício, considerando como pressuposto a alteridade, um olhar sistêmico para o todo, olhar para o espaço público e obrigar o poder público a representar de fato os setores e as aspirações sociais – coletivas, o que requer participação e entendimento das questões urbanísticas e como o poder público lida com elas,  construindo uma sabedoria para fazer valer suas ideias para influenciar nas decisões da cidade voltadas à localidade.
Sim, é um caminho longo, mas se não caminharmos com essas considerações elementares, as quais compõem o que denominamos de dimensão orgânica, nos distanciaremos da construção de uma plataforma que prevê uma educação comunitária para uma nova dinâmica de urbanização dessa localidade, inovação tecnológica, ambiental e social, concomitantemente a produção e garantia de direitos e  das conquistas sociais dos últimos  anos.
Faz - se necessário elaborar uma estratégia político – pedagógica com operações que possam envolver um público intergeracional, desde as intencionalidades arte – educativas ao trabalhar linguagens artísticas e sentidos ecossistêmicos com as crianças, perpassando apropriação de conhecimentos que dialoguem com a melhoria das condições de habitabilidade, estudar com os adolescentes a criação e produção de suas subjetividades nessa contemporaneidade e provocar um pensamento complexo político e participativo, passando pela educação política da comunidade, são alguns componentes para elaboração de estratégias educadoras de cunho político – pedagógico – territorial.
Ainda, nessa dimensão orgânica, estimular a prática de métodos de investigação sobre as representações de cidade protagonizadas por jovens da escola da rede pública em parceria com os da universidade, incentivar os estudantes que habitam o bairro para construírem e viverem situações de conhecimento e territorialização na sua comunidade e na cidade compõe um alinhamento entre forças educativas e culturais para melhorar as condições de vida das pessoas que habitam essa área crítica da cidade, considerando que a esfera pública “não é necessariamente um campo se expressa em termos de movimentos sociais, ela se expressa em outras formas de comportamento coletivo: econômico ou puramente social”.  
Estar a caminho de um território educador é aproximar atores que possam colaborar na organização de um espaço – Fórum para o diálogo sobre as adversidades e busca de solução às questões urbanísticas, é também agenciar atores da Gestão Pública e da Sociedade Civil para agirem no espectro da educação, saúde e desenvolvimento social, são algumas das operações que devem estar contempladas num caminho, a partir de referências e exemplaridades, mas que tenha caráter inovador, porém sempre com um posicionamento político claro do que realmente se pretende ao estar, pensar e agir para o desenvolvimento desse território. .  

Educação como prática efetivamente cultural e urbana
                                                                                     
Trabalhar essa dimensão orgânica pelo viés da educação configurada como prática  efetivamente cultural e urbana, estudar o lugar para entender o território e como se territorializam os habitantes do Jardim Lapenna, desenvolver um processo colaborativo de trocas de experiências, tanto na comunidade, no chão – terra - rio como no meio acadêmico, oferecer instrumental para a comunidade, para que incida conscientemente sobre o próprio território em questões até hoje consideradas complexas, considerando necessário debater e desenvolver práticas de territorialização em suas diversas escalas, da habitação à relação físico - funcional e cultural com a cidade e com quem vive as subcondições, como com quem estuda e desenvolve tecnologias e metodologias para a superação das adversidades, é um trabalho de agenciamento de forças para que se possa superar as dificuldades desse território.   
Estamos num ponto da Várzea do Tietê.  Um jovem de 19 anos com o qual tivemos a felicidade de conviver e produzir conhecimento, numa série de atividades,  num coletivo, durante três anos, num projeto de Letramento Político no Galpão de Cultura e Cidadania, nos faz uma visita, nesse dia de chuva em que uma criança, nesse momento em que escrevo esse texto,  adentra o espaço. Criança molhada da chuva traz notícias sobre os alagamentos e me pede o celular para registrar a acomodação das águas do Tietê em seu arcano espaço.
  Mas para o jovem de dezenove anos as pessoas precisam saber que a várzea do Tietê na qual o Lapenna está inserido, apresenta uma extensa área plana com declividades e larguras variando entre 200 e 600 metros, podendo atingir até mil metros em alguns pontos, correspondem aos terrenos sujeitos às inundações anuais do rio, na época das chuvas. Esse jovem sugere que isso seja integrado no currículo da escola estadual, pois, segundo ele, “querendo ou não querendo, ele conversa diretamente com o currículo vivido”.
Esse jovem prossegue e fala considerando como preponderante que a comunidade também saiba que a várzea a as planícies aluvionares tem que ser protegidas, e que conheçam também a bacia do Alto Tietê. “Que a montante da Barragem da Penha tem grande influência no controle de inundações da metrópole por dois fatores: primeiro porque o trecho a jusante do Rio Tietê atravessa os centros urbanos expandidos, está bastante urbanizado, tendo suas várzeas ocupadas por edificações e pelo sistema viário  – acrescenta o jovem.
O jovem que nos visita conhecedor da nossa intenção de Território Educador, com três anos dedicados a um projeto de educação política com crianças - “Ambiente” Acolhedores” - e que se engajou no Fórum dos Moradores, observa que as pessoas precisam também conhecer a história social da várzea, as desigualdades alimentadas pela aplicação arbitrária das leis e ausência de políticas públicas. Ele diz: estudar tudo isso é preciso. Inclusive saber que existem duas cidades dentro de uma: a construída pelos pobres e a construída pela especulação imobiliária.
Nós, colaboradores da Sociedade Civil, nos entreolhamos e refletimos, numa segunda – feira chuvosa com jeito de provocar inundações, de que reunir atores que estudam a várzea que tenham propostas para que a transformação desses cenários seja uma responsabilidade social, política e cultural, faz – se necessário e premente.

Território Educador entre o real e o possível
Seguir um caminho, uma “percorrida” que além de constatar e intervir no território, nos remete a todos com os quais aprendemos e nos relacionamos, conhecer com profundidade o real e o possível somado à necessidade da existência de lampejos utópicos numa dimensão política, entre os sonhos e o necessário diante das iniquidades, requer trabalhar com o altruísmo da reciprocidade, com o compartilhamento e o engajamento em rede, considerando o presencial e a ocupação cultural e pedagógica do espaço público, importantes instrumentos para a revelação dos conhecimentos de quem convive com a escassez, seus sentidos, significados e ideias.    
            Quando falamos em dimensão orgânica apontamos a necessidade de desenvolver estratégias que vão de produzir conhecimento com a comunidade, como também articular atores do campo da ciência para desenvolver ações que possam colaborar com os desafios da urbanização necessária nesse espaço e, no que identificamos como contribuir para a concretização de um Território Educador, visto como um meio e um fim em si mesmo e na localidade onde atuamos.
 “O direito à cidade vai além de um direito ao acesso àquilo que já existe: é um direito de mudar a cidade mais de acordo com o nosso desejo íntimo. Ou seja, a liberdade para nos fazermos e nos refazermos, assim como nossas cidades, é um dos mais preciosos, ainda que dos mais negligenciados, dos nossos direitos humanos”. (David Harvey)

Bibliografia e Percepções
. Mapografias de São Paulo – Zona Leste – Projeto Cultura e Exensão – FAU USP – Professores Jorge Bassani e Camila D’Ottaviano
. Jovens Rodrigo Hermógenes e Felipe Silva – ex integrantes do Projeto Intermídia Cidadã
. Territorialização da Metrópole Paulista: Ocupação das Várzeas do Tio Tietê ... (Diamantino Pereira – EACH USP para XII Colóquio Internacional de Geocrítica)
. Richard Sennet – “A esfera pública”

Seja o primeiro a comentar

Postar um comentário

NCC São Miguel no Ar

Galpão de Cultura e Cidadania
Rua Serra da Juruoca, nº112
Jardim Lapenna - São Miguel Paulista
São Paulo - SP
Telefone: (11) 2956 0091
E-mail NCC: projetosmnoar@gmail.com

Fundação Tide Setubal

Rua Jerônimo da Veiga, 164 - 13° andar CEP 04536-000 Itaim Bibi - São Paulo - SP Telefax: (11) 3168 3655
E-mail: fundacao@ftas.org.br

CDC Tide Setubal

Rua Mário Dallari, 170
Jd. São Vicente - São Miguel Paulista
São Paulo - SP
CEP 08021-580 Telefone: (11) 2297 5969

  ©Template Blogger Green by Dicas Blogger.

TOPO