segunda-feira, 19 de dezembro de 2016
Por uma inteligência colaborativa
voltada à Várzea do Tietê
A partir de
aprendizados com agentes que produzem conhecimento
Nessa noite pensei
na gente e no rio.
A gente faz um
esforço para morar aqui
e viver nessa
luta também com o rio.
Acho que a
gente tem que trabalhar
junto para
melhorar esse nosso lugar,
mas também
fiquei pensando no rio:
o que ele acha
disso tudo e de todo
esse movimento
de sobe, desce,
molha, seca,
adoece e cura,
Ai meu São
Benedito!
Dona Herculina – moradora
Nesses dias de um quadriênio em que a nossa
trajetória em busca de interações para um bem viver nos territórios da Várzea
do Tietê, localizados na Zona Leste de São Paulo, também indicou a convicção de
que devemos ampliar o olhar para compreensão ecossistêmica desses territórios,
para colaborar como articuladores na arquitetura de estratégias e ações que
efetivamente possam provocar transformações sistêmicas nesse hábitat, percebemos
a necessidade de uma inteligência conectiva e colaborativa construída na
intersecção de conhecimentos que se interdisciplinarizam.
Pelo menos 10 bairros da Zona Leste,
circunvizinhos de São Miguel enfrentam as adversidades na relação que mantém
com as microbacias do Alto Tietê e, olhar para as condições desses espaços urbanos,
implica estudá-los, pensá-los em suas condições socioambientais,
infraestruturais que, numa primeira leitura, nos remete à habitação, sendo que
é imprescindível conectar inteligências existentes nas Universidades, Poder
Público, Iniciativa Privada, Organizações da Sociedade Civil e comunidades o
que implica também proteger, educar, e considerar preponderante a construção da
contribuição e de participação política das pessoas nessas áreas tão complexas
pertencentes ao estado, em busca de coesão social e de propósitos para superar
as adversidades. Isso nos faz pensar e discutir com quem convive com a escassez
o que entendemos como estado não só como esfera governamental, mas num sentido
mais amplo de participação e corresponsabilidade comunitária na construção de
governança nos territórios.
No ponto de vista governamental, nessa lida de
articular para também aprender um pouco sobre o ecossistema da Várzea do Tietê,
descobrimos que é de responsabilidade da Prefeitura de São Paulo assumir o
protagonismo na articulação de ativos de conhecimento para o desenvolvimento de
ações de saneamento básico, que promovam a revisão do Plano de Saneamento para
as áreas de Várzea, dentre elas a maior com 75 km de extensão que é a do Tietê,
como também sabemos que é de responsabilidade de órgãos estaduais a operação
das águas e preservação de suas margens como prevê a legislação da Área de
Proteção Ambiental do Tietê que muitas vezes se hibridiniza com Zona Especial
de Interesse Social – ZEIS.
Assim, os órgãos estaduais e municipais,
detentores de conhecimento técnico e científico e que são, por exemplo, responsáveis
pela operação das águas, controle dos recursos hídricos, ambientais e pela
aplicação de políticas urbanas voltadas à infraestrutura e habitação, necessitam
abrir suas escutas e integrar a colaboração de outros agentes e, a recíproca é
verdadeira, no que se refere aos demais agentes da Academia e da Sociedade Civil.
Aqui nos referimos àqueles atores que desenvolvem desde tecnologias de
drenagem, estrutura física de saneamento, controle do fluxo das águas pluviais,
por exemplo, até os que trabalham no desenvolvimento de tecnologias sociais. Isso,
dentro de uma visão que possibilite conectar demandas infraestruturais até
mesmo com oportunidades de animação econômica e fortalecimento do tecido social
esgarçado nessas áreas, por conta das interrelações advindas da escassez, o que
gera uma escala de desigualdades territoriais e prejudica a coesão social em
torno de propósitos comuns para esses territórios e suas comunidades.
Concentramo-nos num território de Várzea, o Jd
Lapenna, com suas singularidades, mas com muitas similaridades com outros
territórios desse ecossistema. Esse terreno urbano está localizado numa
planície aluvial, entre as extremidades do final de duas microbacias do do
Itaqueruna e a do Jacu. Mas, uma planície aluvial é composta como o nome indica
de aluvião, um solo produzido pela acomodação do Tietê, um rio de planície e
como todo rio de planície corre devagar, mas que em tempos de chuva reconhece
como suas as áreas que passaram a ser habitadas pela população que busca um
espaço para morar.
Para entender melhor é importante observar que
solos de planícies aluviais, sofrem mudanças constantes em sua “textura”
tornando-se ora permeáveis, ora sedimentados conforme o movimento do rio, sendo
que a infraestrutura urbana preexistente na Várzea está sobre as antigas
sedimentações, que configuram uma espécie de platô, mais elevada, produzida
pelo movimento das águas a levar sedimentos e, ao longo do tempo, criou uma
espécie de espaço mais elevado.
O Jd Lapenna em 2013 era habitado por quatro mil
pessoas e hoje sua população passou para 12.000. Esse território, nesse último
triênio, também registra um aumento de 55% de moradias sujeitas a riscos
ambientais. Seu sistema de coletor tronco de esgotos, um dos últimos
investimentos em infraestrutura, passou a sofrer com interferências de
comprometimento em função das ocupações, além de ligações de esgoto no sistema
de galerias de águas pluviais.
As áreas
de Várzea do Rio Tietê possuem uma configuração físico-territorial
longitudinal, apresentando uma extensa área plana com declividades, em média,
inferiores a 5%, e larguras variando entre 200 e 600 metros, podendo atingir
até mil metros em alguns pontos que correspondem aos terrenos sujeitos às
inundações anuais do rio, na época das chuvas. Esse espaço que pertence ao rio,
hoje também pertence às comunidades, o que exige dos atores e gestores
produtores de conhecimento específico
para essa região que trabalhem na proposição de um projeto que dialogue com duas
alternativas nas suas proposições voltadas ao convívio entre gentes, rios e
córregos e todo o ecossistema recuperável ou emergente advindo dessa relação: a)
desenvolver operações para capacitar o território para viver nesse espaço,
permitindo ao rio sua livre acomodação; b) desconsiderar a acomodação natural
do rio e priorizar a presença humana.
Assim, passamos a entender que projetos voltados
para essa finalidade, precisam necessariamente considerar as duas alternativas
citadas acima, e que é importante que as comunidades compreendam que lugar é
esse que habitam, passem a interagir com o ativo de conhecimento e tecnologias existentes,
aprendendo e assimilando a intencionalidade dessa inteligência e defendê-la, sendo que é fundamental existirem
atores que possam colaborar com essa interação, o que implica um trabalho
educativo com, no mínimo, dois vieses: a coesão social e o empreender e
legitimar a transformação.
Na nossa caminhada relacional, a partir do
agravamento das condições urbanas e da multiplicação da sub-habitação em um território
no qual atuamos, passamos a encontrar e, de certa forma, conectar, diríamos até
mesmo articular, inteligências e ativos de conhecimento que pensam e
desenvolvem estudos voltados a esse objeto intensificador de desigualdade
socioespacial, vívido e latente nos territórios da Várzea do Tietê
compreendidas no que passamos a denominar como vórtice da Zona Leste composto
por União de Vila Nova, Jd Lapenna, Jd Helena e Vila Itaim.
Assim, além de perceber a necessidade de atuar
para a planificação e execução de um plano de gestão territorial que considere
a participação, a governança local e a articulação de ativos de conhecimento que
se identificam com o propósito de uma estratégia de ações territoriais
integradas, faz – se necessário investir na articulação de agentes públicos,
universidades, sociedade civil e iniciativa privada para a efetivação de uma
inteligência conectiva e colaborativa voltada à uma extensa área da Várzea do Alto
Tietê, no que diz respeito à infraestrutura urbana, compreendida na tríade
saneamento, habitação e participação sistêmica dessas comunidade no
desenvolvimento urbano desses territórios.
Hoje, já existe um germe dessa intencionalidade,
juntamente com uma primeira aproximação Ativo de Conhecimento Tecnológico com
as Comunidades de 04 territórios de Várzea. Iniciando um movimento de
“concertação” entre FAU – USP, Centro de Hidráulica da Poli, Associação
Brasileira de Cimentos Portland mais o apoio de ativos e quadro técnico de
órgãos do Poder Público, voltados para uma proposta que considera, não somente
o espectro físico, mas que dialoga também com a apropriação das comunidades de
tecnologias, na perspectiva concreta até de “animação econômica”, aliado a um
trabalho educativo, fundamental para que haja legitimidade e participação
comunitária no definir, agir e transformar.
Ao ouvir a frase de Dona Herculina, num desses
dias, coincidentemente lia o livro Carne e Pedra – o corpo e a cidade na
civilização ocidental de Richard Sennett, pensei em São Benedito, citado por ela. No
livro Sennett nos conta que no século IX surgiu a primeira ideia de comunidade
criada por São Benedito, decretando que os monges deveriam passar os dias
trabalhando e rezando – laborare et orare – o labor deveria se concentrar no
jardim (aliás uma alusão a compensação do pecado do jardim do Éden). O ofício
cristão estava associado à garantia do refúgio contra o mundo de pecados.
Dona
Herculina reflete sobre a relação da comunidade com o rio e insinua um
pensamento mais ecossistêmico, sem a ideia de comunidade voltada para a
compensação de pecados, mas num exercício de alteridade entre também se colocar
no lugar do rio e ampliar a compreensão de viver onde ela passou a habitar.
Por uma inteligência conectiva e colaborativa voltada
à Várzea do Tietê, é fundamental que haja, como indica o ponto 1 da Assembleia
de Convergência sobre o Direito à Cidade do Habitat III ações-chave, lutas, projetos, articulações
de ativos de conhecimento, economia local integrada às demandas urbanísticas, programas
locais para a implementação do direito à cidade, desenvolvidos pelos
diversos setores da sociedade civil locais, com a participação ativa
de grupos sociais e movimentos populares.
. Dados e aprendizados: PAVS - Programa Ambientes Verdes e Saudáveis e PSF Lapenna, Comitê da APA da Várzea do Tietê, FAU - USP (Prof. Paulo Fonseca), Rui Ohtake, Luiz Orsini (POLI - USP), Nelson Brissac (ZL Vórtice), Fernando Melo Franco (SMDU), Robert Poow (urbanista catalão - Renova SP) e Dona Herculina
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