domingo, 14 de fevereiro de 2016



 A Caminho de um Território Educador
Capítulo 1: A Dimensão Simbólica
“Caminhada, sou boa das pernas,
como é boa verdura de lá,
da Horta da Mãe Preta, lá do Curuçá,
Muita gente, por estar do outro lado,
tem preconceito dessas verduras,
mais isso é assim mesmo,
já tamo acostumado com essa conversa
de que até o chão daqui é ilegal,
e a outra parte do chão da cidade
é legal, bem vestida, verdura lavada,
assim, o mais o mais difícil é convencer
as pessoas de lá e as vezes os de cá
 que o produto é de primeira, bem plantado,
bem cuidado, tem inté os documentos
da vigilância e coisa e tal,
as pessoas preferem comprar
nesses supermercados
e ficam sem conhecer direito
nossa história de também
bem alimentar”
(Dona Ana da Quitanda do Mutirão – Jd Lapenna)

http://nccsaomiguelnoar.blogspot.com.br/2012/04/dona-ana-maria-lembra-de-seus-momentos.html

A prosa de autoria de Dona Ana da Quitanda, ouvida em dezembro de 2012, lá mesmo, no território em que sonhamos um dia ser educador, com tanto para compartilhar e ensinar à cidade o conhecimento nascido na criatividade de quem convive com a escassez, revela a necessidade de atuar multidimensionalmente num lugar em que, há quase 10 anos, empregamos nossa energia para a vida coletiva melhorar.
Chama atenção no apontamento poético de Dona Ana da Quitanda do Mutirão a revelação de que a cidade é composta de territórios legais e territórios ilegais (1). Algo que mesmo com o processo constante de regulação urbanística no Brasil, persiste desde a origem da imensa e rápida urbanização pela qual passou a sociedade brasileira a partir de 1960, parafraseando Raquel Rolnik, a própria expressão territorial da desigualdade, a gerar também subjetividades, advindas da invasão de um pensamento institucionalizado a provocar a sedimentação e a perpetuação da subcidadania e da condição social, nasce pobre, morre pobre, uma violência simbólica sem precedentes.
            Quando falo de atuação multidimensional para desenvolver estratégias, motivações e mobilização, para a transformação de um território como o do Jardim Lapenna em território educador aponto para as dimensões simbólica, orgânica, geográfica, política e histórica preponderantes, além dos indicadores sociais e características singulares dessa localidade, sendo que nesse tempo de permanência ativamente educativa e cultural nesse território, perpassamos com nossas ações essas dimensões, mesmo que de uma forma empírica, porém aprendemos muito e nossa acuidade está ampliada. 

A dimensão simbólica

A primeira dimensão é a simbólica, ou seja, revelar os sinais e símbolos desse território, a experiência subjetiva, imaterial, o modo da expressão, comunicação e cultura desses habitantes – citadinos, além, é claro, até mesmo a forma, a estética de suas casas, os aspectos antropológicos fundamentais, considerando a educação e a cultura como pilares do desenvolvimento social, o que para tanto exige olhar para o que fizemos, estudar e, ao mesmo tempo, pensar e agir com mais profundidade, num processo que tenha também como delta, uma conceitualização que não perca o vínculo com qualquer realidade, sem seguir necessariamente concepções teóricas personalistas, patrimonialistas, ou pragmáticas, conjunturais as quais sempre se desvinculam de qualquer realidade mais ampla e totalizadora.
Da totalidade dos seres ao lugar e a totalidade do espaço geográfico, a educação se arterializa e, as tais redes formam redes inteligentes. A dimensão simbólica também se faz lugar, espaço que faz sentido quando ocupado, vivido com os ritos, narrativas, encontros, cantos, cordas. Intenções de ensinar e aprender, de ouvir, ocupar, “ocupaz”, como disse um jovem, num desses dias, em seus momentos de expressividade e descoberta.
A dimensão simbólica requer trocas para perceber o sentido que esse lugar faz na vida de quem vive nele e, quando falamos em educação, em território educador, além das conexões institucionais e pessoais, configurados numa mandala, precisamos trabalhar numa perspectiva de cenários transformadores, o que requer atores de diferentes conhecimentos e áreas do saber, superando a complexidade, não “meritocratizando” o processo, o que implica pensar uma educação que contribua para a assimilação dos insumos culturais da comunidade, como por exemplo, as narrativas comunitárias compostas de espírito humano, algumas reveladas pela nossa escuta em nosso Ponto de Histórias e de Leitura do mundo dos moradores do Jad Lapenna:  “desde o riscar na areia da matemática de Severino, mais a escola “na sombra do pé de Juá” de Dona Ana, a comparação de Dona Antonia por meio da literatura do consumo da cidade grande a Mãe d’água do Rio São Francisco de onde viera,  a mangueira do Piauí que ensinou Claudete a calcular e “ser craque na matemática”, o que lhe permitia cochilar na sala de aula, até as imagens produzidas por crianças e adolescentes, as mulheres, as famílias e as mulheres com receitas de vida diante de uma vida nada fácil...” (2)
A valorização da dimensão simbólica de um lugar é a contraposição à visão tecnocrática urbanística, que trata a cidade pelo viés puramente técnico, tratamento que não reconhece os conflitos e a realidade da desigualdade e o funcionamento dos mercados imobiliários urbanos que contribuem para a valorização das terras, como também pela expulsão dos que vivem em lugares os quais quando chega a infraestrutura, muita gente da base da pirâmide urbana tem que se retirar, naturalizando ainda mais as relações e condições de desigualdade. . 
Dar luz à dimensão simbólica, além de um recado à cidade da potência desse lugar, é colaborar para que a comunidade possa ultrapassar as ilusões de sentido do imediato e do cotidiano e passe a conhecer suas próprias condições de vida, quase sempre desconhecidas Esse desconhecimento produzido pela produção de subjetividades induzida pelo capital e interesses que invadem o espaço público e as casas e barracos, componente da construção social da desigualdade, numa violência subjetiva a afastar as pessoas e as comunidades de si mesmas, de sua riqueza de espírito, de sua geografia, de sua história. (3)
Para seguirmos esse caminho para um Território Educador, necessitamos estudar e refletir a respeito das outras dimensões. Na próxima semana no Blog: nccsaomiguelnoar.blogspot.com discorreremos sobre elas:  
A dimensão orgânica:
A dimensão geográfica
A dimensão política
A dimensão histórica

Até lá
José Luiz Adeve (cometa)


  (1) Artigo “Regulação Urbanística no Brasil – Conquistas e Desafios um Modelo em Construção
(2) Ver texto “Tecelagem Dinâmica da Educação – Habitar é Comunicar – Texto coautoral -  http://nccsaomiguelnoar.blogspot.com.br/2012/12/tecelagem-dinamica-daeducacao-habitar-e.html
(3) “A Construção social da Subcidadania – Para um sociologia Política da Modernidade Periférica” -  Jessé Souza 























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