
Você acompanha nesse blog a entrevista sobre educação que o jornal “A Voz do Lapenna” fez
com Maria Alice Setubal, socióloga, doutora em psicologia da educação e mestre em ciência política e presidente da Fundação Tide Setubal e do Cenpec.
JVL: Como você avalia o Ensino Médio público, no que tange a facilitar o acesso à Universidade Pública, ou para trabalhar a qualidade desse ciclo não necessariamente deve-se pensar no acesso à Universidade Pública?
Maria Alice: Primeiro vou responder a primeira parte da pergunta. O ensino médio, no Brasil, ainda é muito recente, se nós pensarmos que só nos últimos 10, 15 anos é que a gente teve um ensino médio mais de massa, que realmente abriu para um contingente maior da população ter acesso ao ensino médio. Então nós temos ainda pouca experiência do que significa esse currículo do ensino médio e, por outro lado, nós estamos vivendo no mundo uma crise, não é só no Brasil, do que é o conhecimento do ensino médio, o que deve ser esse conhecimento que possa preparar para os desafios do século XXI. Como ainda as mudanças são muito fortes, muito rápidas, então é difícil vislumbrar um pouco mais para frente, com vai ser essa sociedade. Então você está preparando alunos para que sociedade? Um ponto de interrogação. Então acho que existe uma crise mundial em torno desta temática.
No Brasil, especificamente, nós temos uma pouca experiência de ensino médio mais abrangente, mais democrático e temos uma qualidade muito baixa desse ensino médio. Quer dizer que em geral a nossa escola pública está defasada em relação aos conhecimentos mais contemporâneos. Nós temos problemas de qualidade professor, enfim, uma série de problemas que quando isso chega ao ensino médio, com a pouca experiência que nós temos e com a dificuldade mundial de entender esse currículo, isso se potencializa. Então acho que é no ensino médio, onde nós temos no Brasil as maiores dificuldades, é a escola mais defasada em relação tanto ao mundo contemporâneo, como as demandas do mercado. Então a gente não está nem respondendo às questões mais acadêmicas ou às mais do dia a dia do mundo contemporâneo e nem as demandas do mercado de trabalho. Acho que isso é uma discussão nacional, isso está na pauta do Ministério da Educação, está na pauta de Secretários de Educação, é um grande desafio que os próximos governos enfrentarão, tanto em nível federal como estadual.
Eu acho que nós estamos falando muito da importância de ampliar o acesso à Universidade, eu sou dos que concordam com isso, claro quem não quer pode fazer uma carreira ou outra, mas eu acho que a Universidade tem um impacto muito grande, minha imagem é de abrir janelas para o mundo. Então é importante ampliar esse acesso, nós estamos em torno de 13% de da população acessa o ensino superior, é baixíssimo esse índice, muito mais baixo que vários países da própria América Latina, da América do Sul, temos que ampliar esse acesso e isso depende de dois pontos: primeiro adequar o ensino médio, acho que é o grande problema, pois nós estamos com uma alta evasão dos jovens. Os jovens estão saindo do ensino médio e as pesquisas apontam como principal causa a falta de interesse, pelos motivos que eu já coloquei. E a outra causa, é claro, temos que resolver o ensino médio, se as pessoas não estão se formando no ensino médio, não ampliamos o acesso, porque não tem público para o ensino superior.
O outro ponto é a ampliação de programas que já começaram, que eu apoio totalmente, como o Pro Uni e o FIES que é esse crédito para educação, um crédito escolar para ensino superior no qual foram feitas várias modificações recentemente: baixou os juros, não precisa mais avalista, o crédito aumento, mais tempo para pagar, mais de 10 anos. Acho que essas políticas têm que não só permanecer, mas serem ampliadas.
JVL: A transversalidade e todo instrumental voltado a um modo de educar é válido, neste momento, diante dessa situação ou, antes disso, é necessário pensar aspectos como ambiência, relação educador – educando e reconhecimento dos bens simbólicos do espaço onde está a escola?
Maria Alice: Eu acho que não dá para ser uma coisa e depois a outra, todos os pontos são muito importantes e complexos. Mas no meu entender, idealmente, deveriam acontecer ao mesmo tempo. Então nós estamos no mundo onde as questões são sistêmicas, nós temos que ter esse olhar sistêmico e onde as disciplinas não podem ser colocadas em caixinhas que não se conversa. O mundo hoje exige um transdisciplinaridade, exige esse olhar sistêmico, um olhar mais transdisciplinar. Acho que nós já temos alguns avanços, dou como exemplo o ENEM. O ENEM já agrupou 4 grandes áreas do conhecimento, acho que é um sinalizador importante de como você pode dialogar com os conhecimentos nas diferentes áreas, sem perder alguma especificidade, é importante obviamente que cada disciplina tenha sua especificidade que não pode se perder. Mas acho que a gente tem que caminhar e concretamente dou o exemplo do ENEM e de outras experiências, o ENEM em nível nacional, que já pensa com essa forma mais ampliada, mais transdisciplinar.
E pensar na ambiência escolar? Acho um ponto que é pouco colocado, por isso eu gosto dessa questão, acho que é fundamental, se a gente pensa as empresas, o mundo empresarial gasta tempo e recursos com a qualidade vida dos funcionários, com a qualidade do ambiente das empresas e, se nós pensamos a escola, um aluno fica às vezes na mesma escola mais de 12 anos, e os professores que trabalham nessa escola também ficam às vezes muito mais de 12 anos na mesma escola. Então é importantíssimo pensar num ambiente de trabalho de qualidade e qualidade nas relações humanas, na relação professor – aluno, entre professores e também na estética, acho que a escola tem que ser um lugar bonito, claro, agradável, gostoso, porque você vai ficar muito tempo nesse lugar, parte significativa da sua vida.
JVL: Quais são as prioridades para um ensino médio de qualidade e inclusivo?
Maria Alice: Fundamental hoje, enquanto país, rever a formação de nossos professores, porque a qualidade do ensino está diretamente relacionada a qualidade de uma boa formação dos nossos professores, para isso, na minha opinião, os professores precisam ser reconhecidos, dignidade da profissão, precisam receber bons salários e ter uma carreira, o conhecimento e uma boa formação inicial e continuada, um pacote que não é simples e custa caro, então precisamos de recursos para educação. Nós só vamos alcançar qualidade no ensino médio quando a gente tiver uma boa formação de professores, incluindo todos esses pontos que eu coloquei.
JVL: A gente avançou ou o ensino médio ainda patina em aspectos micro e macro educacionais?
Maria Alice: Estamos falando de Brasil, um país tão grande, claro que tem pontos que são comuns ao Brasil todo. Mas agora pensar no micro e macro me veio esse ponto que é importante destacar: o Brasil é muito grande e uma diversidade muito grande. Eu acho que a gente tem muito boas escolas públicas, estava num evento de premiação da língua portuguesa e o Ensino Médio entrou concorrendo, as escolas, com textos de artigos de opinião e os textos finalistas eram belíssimos, do Brasil todo. Então eu fico assim super orgulhosa, quando eu vejo isso, porque teve todo um trabalho de formação dos professores durante o ano, para que eles trabalhassem os alunos, e nós não estávamos premiando alunos talentosos, foram alunos que escreveram bons textos, frutos de trabalho de professores. Eu acho que a gente pode ter uma escola pública de qualidade e o Brasil é muito diverso. Nós temos que entender que as escolas em grandes cidades e nas periferias das grandes cidades têm características diferentes de escolas no campo que é um problema maior ainda, diferente de escola de uma cidade do interior que todo mundo se conhece. A gente tem que ter muita clareza enquanto política pública, ai estou falando em termos macro, claro ter uma política macro que aponta para a mesma direção, mas com espaço bastante alargado para as especificidades e as características regionais e das localidades.
JVL: É necessário ter uma política pública específica para a criação de cursos pré – vestibulares voltados a estudantes da rede pública?
Maria Alice: Não sei responder essa pergunta, porque na verdade, vamos pensar, se o ENEM começa a dar certo, em princípio você vai eliminando esses cursos pré – vestibulares quanto mais universidades tomarem o resultado do ENEM como ingresso na universidade. Pois o curso pré – vestibular é uma distorção na verdade que a gente tem aqui no Brasil em relação ao ensino superior, mas enquanto isso não acontece, a correção da distorção, acho muito importante que as universidades públicas se preocupem com isso. Por exemplo, no nosso micro território, essa parceria que temos USP Leste – Fundação Tide Setubal num curso pré vestibular, onde os professores da USP Leste são coordenadores de alunos que por sua vez, esses alunos, são os professores do Pré Vestibular. Acho esse modelo muito interessante, eu acho que é um modelo a ser replicado.
JVL: Qual a escola ideal?
Maria Alice: A escola ideal é a escola que todos os alunos aprendam o melhor do nosso conhecimento. Eu acho que é essa a escola ideal para uma educadora como eu. Voando um pouco mais é aquela escola que está aberta à comunidade, que se preocupa com seu entorno, com o meio ambiente e trabalha isso. É aquela escola que entende que ela faz parte de um desenvolvimento local. Então ela atua com a sua comunidade, aquela escola onde o conhecimento que é trabalhado dentro da escola tem algum impacto naquela comunidade. O conhecimento chega até a comunidade de uma forma geral. Porque eu enfatizo que o que a escola tem de especificidade é o conhecimento e a transmissão do conhecimento. Ao fazer com que esse conhecimento chegue até a comunidade, influencie, impacte de alguma forma, a escola se preocupa em tratar o seu ambiente, o meio ambiente, e que isso seja uma coisa circular e sistêmica, da escola para comunidade e da comunidade para a escola, de uma forma circular como já disse e, que dentro da escola, a gente possa ter um currículo voltado em alguns eixos que eu acho contemporâneos, diversidade cultural, questões sócio – ambientais, novas tecnologias, pensamento científico e participação política – cidadã. Essa é a minha escola ideal.
Assista debate sobre educação no Brasil na Globo News com a participação de Maria Alice Setubal:
http://globonews.globo.com/videos/v/especialistas-debatem-sobre-educacao-no-brasil/1396085/#/programas/page/2
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