segunda-feira, 25 de abril de 2011



ESPECIAL PONTO DE HISTÓRIAS

Nessas “percorridas” de aprender e ensinar, aqui em São Miguel Paulista, revezamo-nos, quando podemos a ouvir histórias num banco sombreado da Praça do Forró. Esse tempo e esse lugar trazem histórias surpreendentes. São personagens, narradores que se aproximam e nos contam causos e histórias de vida em movimento.

Assim, pelo fato de que nesse blog existe um espaço para histórias, diretamente do banco mais próximo da capela de São Miguel Arcanjo, apresentamos histórias, que temos certeza levarão você, blog – leitor, a lugares, tempos e sentimentos, reafirmando a convicção de que a cidade é a própria literatura.

Poesias, cordel, ou simplesmente contação de história, tudo é a cultura viva desse pedaço de São Paulo, num ponto desse planeta, em que momentos de rara troca e riqueza, propagam a expressão e visão de mundo, a poesia desses narradores até então anônimos, num letramento múltiplo de corpo e alma.

Boa Blogleitura

Equipe do NCC São Miguel no Ar


Ironildes e Assuncena

de Ironildes Santos Silveira, 67 anos


Quando desde menino
via a escola em fotografia,
tinha vontade de cantar hino,
ou até mesmo escrever poesia.

Mas na secura e desventura
tirando leite de pedra e viver sem eira,
talhei a escola em xilogravura,
para arte – suavizar minha besteira,
de ter abandonado a partitura
e toda riqueza das “letras brasileiras”.

Minha mãe, Dona Cícera e onze filhos,
o meu pai, cabra macho dos gatilhos,
a fome e a necessidade foram empecilhos
para continuar a jornada com os brilhos,
de um aluno arretado em estribilhos,
que aprendeu a fazer fubá sem milhos.

Hoje agora ao chegar por essa praça,
vejo um senhor interessado em minha memória,
então minha gente - ave que por aqui voa e passa,
vou contando o meu mote cearense, minha história,

e com certeza nesse mundo
não estou, nem ando só,
tenho um amor profundo
por essa Praça do Forró.

Quando cheguei por aqui,
na verdade depois de algum tempo,
tinha um enorme chapéu de couro,
não vim para trabalhar na “Votoranti”
nitro – sina, não era mais época de ouro,
vim para ajudar parente, o tio Cavalcanti
a vender sapato e sandália de couro,
mestre sapateiro, meu tio era vibrante.

Mas o tempo da cidade
fez o negócio perder o encanto,
os conterrâneos de pouca idade
passaram a comprar sapato de outro canto,
nosso negócio virou quebranto.

Com a banca quebrada
e as contas vencendo à toa,
fui ser peão de obra pesada,
salário ruim mas a bóia boa,
dormia numa coisa enlatada.

Estação de trem, prédio, faculdade,
até CDHU – casas dentro d’água,
aprendi o ofício com facilidade,
um mestre chileno, Aconcágua,
viu na minha lida garra e qualidade.

Porém num domingo de descanso,
sentado na estação de trem,
assim, com o olhar calmo, manso,
desembarca no meio vai e vem,
Assuncena Aparecida Amâncio.

Enviada por minha mãe Cícera,
coincidência, obra do acaso,
uma mulher com olhar forte,
pensei com essa eu caso...

Aproximou – se, aquele porte,
alternou olhar profundo e raso
e perguntou se conhecia algum transporte,
que a levasse ao alojamento de uma obra,
que por acaso era onde eu trabalhava...

Daí não prestou, quebrou a métrica e a rima,
disse a ela que morava nessa obra
e que meu nome era Ironildes Santos Silveira,
ela então me perguntou se eu era de Crato.

Confirmei a naturalidade,
mas já era tarde,
ela me lascou um beijo
com uma fogosidade
que juntou destino
com tanta afetividade.

Casei com Assuncena,
hoje tenho quase 70.
Meus 4 filhos, uma casa do Norte,
Assuncena está no céu,
mas tenho uma fotografia
vou fazer mais uma xilogravura.
para esse amor, minha aventura.

E quanto ao senhor,
Sinhô Cometa, ouvidor,
foi um prazer contar um pouco
da história desse velho garoto,
que se julga inteligente,
muitas vezes professor,
Ironildes Santos Silvera,
totalmente ao seu dispor,
minha gente brasileira.

(Você pode encontrar Ironildes, em algum meio dia, num desses dias, com toda essa sabedoria na Praça do Forró)

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