Arnaldo Antunes
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
Escrita
Arnaldo Antunes
Arnaldo Antunes
Pessoas mudas escrevem pra falar. Analfabetos aprendem a escrever. Pessoas sem braços escrevem com os pés. Os surdos escrevem no ar com gestos. Os cegos escrevem com a voz no escuro. Pessoas que esquecem escrevem listas. Canhotos escrevem com a mão esquerda. Pessoas distantes escrevem cartas. O tempo escreve no rosto rugas. Nas palmas linhas, nas pintas pontos. E nas estrelas cadentes. E nas cadeias escrevem nas paredes. E nas carteiras de escola. Neurônios escrevem na memória. Os genes escrevem nos corpos vivos. A chuva que escorre escreve nos vidros. E os dedos nos embaçados. E nas cavernas traçados de antepassados. Bisontes, flechas, humanos, arcos. E os médicos nas receitas. Orientais usam outras letras. De cima a baixo, nas verticais. E começando sempre por trás. Nos livros, placas e nos mangás. Escreventes, escrivães, escritores, escribas. Uns tomam notas pra se lembrar. Uns fazem livros pra ser lembrados. Passos escrevem no chão com rastros. Corvos espalham nanquim no alto. Galinhas gravam bicando o chão. Migalhas fazem frases do pão. Palavras ditas morrem no ar. Em pedra escrevem nomes dos mortos. E em placas de rua. E quando o texto acaba a escrita continua.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Postar um comentário