segunda-feira, 5 de março de 2012




Jairo Macedo Sierra – Advogado


Membro da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/SP e do Instituto Brasileiro de Advogados do Terceiro Setor.



Estamos hoje inaugurando uma nova coluna no Blog NCC no Ar, do Núcleo de Comunicação Comunitária da Fundação Tide Setubal.


Esta coluna será intitulada Falando Direito.

Apesar de o nome inicialmente parecer estranho, nada tem com a norma culta da língua portuguesa. Não trataremos nele de regras gramaticais, ortografia ou nada que lembre falar com correção.

A idéia central é falar sobre direito; mais precisamente sobre os direitos humanos, direitos sociais e demais leis que digam respeito diretamente ao quotidiano desta população de uma forma clara, direta e objetiva, sem rodeios ou meias palavras, explicando à população quais são seus direitos e deveres e sobre a maneira de obtê-los.

O artigo inaugural fala a respeito do direito à moradia, assunto sem dúvida de grande interesse dos moradores de São Miguel Paulista, com foco no Jardim Lapenna e adjacências.

O texto que abre a coluna ficou enorme, reconheço; mas não tão grande como o problema enfrentado pela população local que observam seus direitos de cidadania, e principalmente o de moradia, sendo desrespeitados frequentemente.

Partimos nesta coluna de uma afirmação clara. Nenhuma espécie de problema pode ser enfrentada sem que se conheça a fundo suas origens.

É a partir do conhecimento do problema que nasce o debate, o que leva invariavelmente a um plano de ação conjunto. Do plano de ação, ou melhor, de vários planos de ação chega-se a uma estratégia. Buscar um objetivo tendo-se por base uma meta claramente definida e uma estratégia de como alcançá-la já é quase a receita do sucesso.

Esta estratégia e todas as ferramentas desenvolvidas neste processo de gerar conhecimento a partir do debate é o que se convencionou chamar de mobilização social.

Já é fato sabido que apesar de livres todos nós temos que ter nossos direitos respeitados, bem como precisamos de igual modo respeitar os direitos dos outros. De forma bem simples, temos que impor aos demais o respeito pelos nossos direitos e na mesma proporção respeitar os direitos de todos os que estão à nossa volta.


Esta é a única forma de viver em sociedade. Do contrário há conflitos que potencialmente podem levar a conseqüências gravíssimas, como agressões, ferimentos, mortes, empobrecimento, marginalização, entre tantos outros.

Quando uma pessoa não zela pelos próprios direitos é muito difícil que outra pessoa ou o próprio Estado os respeite. Quando os direitos das pessoas são desrespeitados de maneira generalizada nasce por sua vez o conflito generalizado.

Para evitar que cada pessoa defenda seus direitos pelos seus próprios meios, na maioria das vezes de forma violenta, cabe aos representantes do povo brasileiro, denominados tecnicamente como legisladores, que são os vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores, ao criarem leis que possam gerar a pacificação social pela diminuição dos conflitos.

A partir daqui a pertinente pergunta que se poderia fazer é: Temos que saber todas as leis para termos nossos direitos respeitados?

A resposta clara é não. É impossível que qualquer pessoa saiba todas as leis, mesmo porque somando as leis municipais do país inteiro, as leis estaduais e as federais são mais de 300.000 (trezentas mil leis) em vigor, sendo somente as federais mais de 180.000 (cento e oitenta mil), e o número delas não para de crescer.

Como se pode perceber, saber todas as leis que existem no Brasil é tarefa impossível.

De uma forma clara e direta todas as leis que existem no Brasil são importantes simplesmente pelo fato de que foram feitas para serem executadas pelo Estado, ou seja, por todos nós. Contudo, não são todas as leis em vigor de interesse direto da população, mas apenas e tão somente as que tratam dos direitos sociais e direitos humanos.


A nossa proposta ao iniciar esta coluna é falar de uma forma bastante clara sobre os direitos a partir da constituição federal, que é a lei mais importante do país e que dela depende a existência de todas as outras.

Isso não quer dizer necessariamente que trataremos da constituição inteira, mesmo porque a maior parte dela fala a respeito de regras de controle do Estado. A parte que interessa aos nossos debates encontram-se ente o artigo 1º da Constituição ao artigo 11, tratando dos princípios constitucionais, dos direitos e garantias fundamentais e dos direitos sociais. Passaremos também a abordar de uma forma mais direta o Estatuto de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso, entre outros temas que possam a partir dos debates estabelecidos ser considerados de importância.

Esta coluna será publicada através do Blog NCC no ar, no mínimo, uma vez por semana.

Assim como as leis que estão em vigor utilizaremos este espaço para comentar as novas leis que vão entrando em vigor, os tratados internacionais assinados pelo Brasil, as notícias de conteúdo jurídico relevantes para o exercício da cidadania plena.

Esta coluna somente funcionará bem se houver a participação das pessoas, motivo pelo qual faço desde já um apelo. Não deixem de comentar, de perguntar, de questionar, de se posicionar, pois a curiosidade leva à pesquisa e ao debate, e ambas levam ao saber.



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Direito à Moradia

Jairo Macedo Sierra – Advogado
Membro da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/SP e do Instituto Brasileiro dos Advogados do Terceiro Setor.

Contribuição para a coluna intitulada “Falando Direito”, do Núcleo de Comunicação Comunitária São Miguel no Ar, da Fundação Tide Setúbal.

O direito à moradia faz parte do rol dos direitos humanos e é garantido, ao menos formalmente, pela Constituição Brasileira.


Por direito à moradia se compreende a moradia digna, ou seja, o local onde o indivíduo possa habitar sozinho ou em companhia de sua família ou de pessoas que, ainda que não pertençam ao mesmo núcleo familiar, mas que a habitem essencialmente com intenção de definitividade.

A moradia para ser considerada digna deve ser adequada obedecendo a critérios de conforto térmico, ou seja, deve ser abrigada contra as intempéries como chuva, vento e frio. Sua construção deve ser planejada de forma a proteger seus ocupantes contra desastres naturais ou de acidentes decorrentes deles, como enchentes, deslizamentos, entre outros provenientes do clima. A moradia para ser considerada digna deve ser seca e sem infiltrações, além de permitir a entrada de luz natural e de ventilação.


Para que uma edificação seja considerada moradia digna para todos os efeitos faz-se necessário que outros serviços públicos sejam colocados a serviço da população regionalmente, como educação; através da implantação de escolas públicas municipais e estaduais para a escolarização formal no nível básico, fundamental e médio, creches e escolas públicas de ensino profissionalizante, de forma a garantir localmente vagas a todos os moradores que delas necessitem.

Além da educação também é imprescindível a implantação de postos de saúde, ambulatório de especialidades e hospital geral público para o atendimento de casos emergenciais, de forma a não obrigar o morador a buscar atendimento fora de sua região, bem como a rede de transporte público em quantidade e qualidade que possa garantir deslocamentos dos moradores entre a residência e o local de trabalho. Também é imprescindível a ligação da moradia na rede de esgoto, de fornecimento de água tratada, de rede elétrica e instalação segura dentro de cada residência de acordo com as normas técnicas do setor de eletrificação.

A dignidade da moradia também passa pela existência de serviços culturais, como cinemas e cinematecas, teatros, centros de convivência, centros culturais, além de áreas destinadas à prática desportiva. Desta forma pode-se compreender que habitação é a edificação (construção) projetada ou mesmo adaptada para servir de moradia a seres humanos. Já a moradia digna se dá a partir da união entre o terreno e sua edificação e serviços públicos que garantam a qualidade de vida da população local.

Há quem confunda habitação confortável e digna com habitação luxuosa. É evidente que por habitação confortável basta que o local tenha o mínimo de condições de habitabilidade, conforme já foi tratado. No que diz respeito ao conceito de habitação luxuosa, existe o mesmo mínimo de condições físicas e materiais, além de uma série de elementos supérfluos destinados à facilitação do uso ou mesmo do deleite de seus ocupantes, assunto do qual não trataremos neste trabalho por ser assunto ligado à arquitetura e não ao direito.

Quando o Estado se organiza para ofertar à população menos favorecida uma habitação saudável e digna não está fazendo outra coisa que não cumprir com suas obrigações de ordem constitucional e legal, e, não como muitos pensam, utilizando valores arrecadados em impostos para favorecer uma determinada parcela da população em detrimento da maioria.

O desrespeito por parte das autoridades em relação ao direito do cidadão de possuir para si e para seus familiares uma moradia digna é causa freqüente de mortes, doenças, desamparo e de muita dor para os moradores de vários locais das cidades.

Todos os anos nós acompanhamos pelos noticiários histórias tantas vezes repetidas de pessoas que perdem tudo em enchentes, desmoronamentos de casas, deslizamentos de terra, entre tantas outras catástrofes, e pior, na maioria das vezes ocorrem a partir da omissão criminosa do Estado (Prefeituras Municipais, Estados e União Federal).

Pior do que saber de tantas histórias tristes através de coberturas jornalísticas é a situação de quem vivencia tais acontecimentos. A situação de insegurança que acomete pessoas que saem de casa para ganhar seu sustento sem saber se terá para onde voltar. De pessoas que, pressionadas pela necessidade, habitando áreas de risco, saem todos os dias de casa temendo pela vida de seus familiares e sem condições de prover a eles o mínimo de segurança em suas moradias.

Para que o direito à moradia digna seja respeitado é necessário, entre muitos outros elementos, que os moradores tenham principalmente a segurança jurídica da posse.

Para não estender muito o tema em conceituações técnicas que nada interessam a este estudo, pode-se dizer com clareza que a posse para ser obtida são necessários dois elementos: O corpus, que é o elemento material; o terreno, a casa, o apartamento. Além do elemento material é necessário que o possuidor tenha o animus, que é caracterizado pela intenção de tornar-se proprietário do bem.

Para que a posse transforme-se em propriedade é absolutamente necessário que não seja contestada e reivindicada através da temida ação de reintegração de posse, situação onde o proprietário de terreno invadido pode utilizar-se de ação judicial para reaver sua propriedade.

Negar, embaraçar, negligenciar ou de qualquer forma não reconhecer o direito que todos têm de possuir uma moradia digna pode ser considerado como uma evidente violação dos direitos humanos de uma expressiva parcela da população, principalmente a de renda mais baixa, que na maioria das vezes não possuem condições financeiras sequer para buscar os programas habitacionais públicos com objetivo de conquistar sua casa própria.


Sabe-se que a história do Brasil recente é pródiga em violação dos direitos humanos da população, em especial da parcela de menor poder aquisitivo.

Parte desta negativa deve-se ao próprio Estado que durante muitos anos deixou de oferecer serviços públicos básicos, principalmente os mais diretamente ligados à habitação, pela falsa tese que embasa a convicção política de que a aquisição de moradia digna por parte do cidadão é a obtenção de um bem particular, logo, de interesse privado e individual, motivo pelo qual sistematicamente resistem em oferecer ao cidadão de baixa renda acesso a este importante direito de cidadania.


O resultado desta política equivocada é o de que a cada ano um contingente maior de pessoas procura as áreas mais degradadas das cidades como opção de moradia. Isso ocorre porque as pessoas não conseguem mais despender dos cada vez mais altos valores cobrados de aluguel e buscam alternativas de moradia por uma questão de sobrevivência.


Desnecessário dizer que o pagamento de aluguel tem um forte impacto na qualidade de vida de quem justamente tem muito pouco com o que contar. São justamente os mais humildes; são aqueles que quase nada possuem os mais penalizados pela situação perversa representada pelo pagamento do aluguel, independentemente desta habitação estar ou não abrangida pelo conceito de moradia digna.


A obrigação assumida consistente no pagamento de locação residencial faz com que as famílias muitas vezes se privem de itens de primeira necessidade, como alimentação, vestuário e transporte, situação esta que não raro contribui positivamente para afastá-los dos estudos, do acesso ao trabalho, marginalizando-os ainda mais.


Para a correta compreensão do problema é necessário que se observe o fato de que o direito à moradia digna para a parcela menos favorecida da população não é caridade ou esmola. A observância das necessidades desta população deve ser oferecida como contraprestação, ou seja, se a Constituição Federal declarou que o direito à moradia faz parte dos direitos humanos ao qual o Estado está obrigado a amparar, tal obrigação deve ser custeada a partir dos recursos obtidos pelo pagamento dos impostos pagos por toda a população.

Somente para frisar bem este conceito, não se trata de um favor concedido e muito menos ato decorrente de boa vontade do Estado em oferecer a aquisição de moradias populares. Trata-se de uma obrigação direta e inafastável.

Esta obrigação é parte integrante da Declaração Universal dos Direitos Humanos que o Governo Brasileiro assinou em 9 de dezembro de 1948. O texto da declaração em seu artigo XXV, item 1 preceitua o seguinte:

Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito de segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice e outros meios em caso de subsistência fora de seu controle”.

Foi com base neste conteúdo reconhecido pelo Estado brasileiro que o legislador constitucional fez inserir na Constituição Federal de 1988 o inciso IV do artigo 7º da Constituição Federal dispondo de forma clara que o salário mínimo deve ser fixado através de lei e nacionalmente unificado, devendo este atender as suas necessidades vitais básicas e ás de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhes preservem o poder aquisitivo.

Por óbvio que, apesar de tratar-se do conteúdo de um tratado internacional ao qual o Estado Brasileiro assumiu o compromisso de respeitar e fazer respeitar, ainda que pese o fato de que não somente assinou o tratado como futuramente, já em 1988, ainda fez constar tal conteúdo dos direitos sociais da população brasileira na constituição, tais direitos sociais e humanos são constantemente violados.

Importante frisar que o conteúdo do artigo 7º, inciso VI da constituição pela primeira vez fez constar o direito à moradia, reconhecendo-o desta forma como direito humano básico e imprescindível para a população.


No ano de 1992, confirmando mais uma vez o tratado internacional assinado em 1948, o Governo Brasileiro assinou o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e culturais. A partir da assinatura deste tratado o Estado brasileiro ficou obrigado a rever sua política de habitação, entre outros direitos humanos garantidores de cidadania em sentido amplo.


Criar políticas públicas e programas sociais a partir deste momento deixou de ser um problema restrito à ordem jurídica interna do Estado Brasileiro, mas passou a ser um importante compromisso político e humanitário contraído perante toda a comunidade internacional.


Infelizmente, até agora as ações das três esferas do governo somadas muito pouco tem contribuído para diminuir a situação de abandono a que expressiva parte da população se encontra em relação aos seus direitos de cidadania, principalmente no que diz respeito à moradia digna.

Este compromisso foi novamente confirmado em 1996 através do Protocolo de São Salvador (El Salvador), com força de lei no Brasil através do Decreto 3.221, de 30 de dezembro de 1999 com o seguinte teor:

Art. 1º. O protocolo adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais “Protocolo de São Salvador”, concluído em 17 de novembro de 1988, em São Salvador, apenso por cópia a este Decreto, deverá ser executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém”.

Apesar de o Estado ter assinado dois tratados com validade internacional e de ter previsão constitucional clara, além de ter confirmado seu conteúdo através de Decreto, assumindo internamente no Brasil a obrigação de criar programas mais intensivos de apoio à população carente, na prática não passou de ato de boa vontade que não se traduziu em programas governamentais ou políticas públicas mais efetivas.

A assinatura do pacto e do protocolo não se deu de forma gratuita por parte do Brasil, mas pela pressão da comunidade internacional que vem se utilizando desses mecanismos para forçar a melhoria do índice de desenvolvimento humano dos países que ainda não implantaram definitivamente o Estado de Bem Estar Social. O Governo Brasileiro assinou estes tratados para dar efetividade ao que consta no artigo 6º da Constituição Federal, haja visto que a Constituição Federal em 1988 assegurou aos brasileiros os direitos econômicos, sociais, culturais através de uma ordem expressa para obrigar o país a buscar politicamente caminhos viáveis para garantir os direitos humanos à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.

A pergunta incômoda que fica é: Se há um artigo da Constituição Federal da República Federativa do Brasil que reconhece os direitos sociais da população como direito humanos; e mais, se tais direitos foi objeto da celebração de três tratados perante a comunidade de nações (ONU), tratando do mesmo assunto, então, por qual motivo tais direitos não são respeitados?


O mesmo desrespeito praticado que ocorre em relação aos direitos sociais também ocorre em relação aos direitos e garantias fundamentais da população expressos no art. 5º e incisos da Constituição Federal. Somente para esclarecer, o artigo 5º, § 2º da constituição estabelece que:

Os direitos e garantias individuais expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

A isto equivale dizer que o Brasil está obrigado a respeitar todas as disposições referentes aos direitos humanos contidos na Constituição, principalmente o elenco de direitos e garantias fundamentais contidos nos 77 incisos e parágrafos do artigo 5º, os direitos sociais, bem como os tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Frise-se que tal obrigação é inafastável.


O que torna mais grave o problema é o desrespeito por parte do Governo Brasileiro em criar políticas públicas e programas de governo de forma clara, direta e objetiva, e principalmente, contínua.

Para exemplificar o assunto pode-se verificar o conteúdo do parágrafo primeiro do art. 5º da constituição, onde fica estabelecido que:

As normas definidoras de direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata.”

Isto quer dizer que todo o conteúdo abrangido como direitos e garantias fundamentais do cidadão não dependem da edição de outras leis para vigorar, mas pode ser aplicado integralmente pelo Poder Judiciário em qualquer instância.


Esta disposição constitucional é tão séria que o artigo 60, § 4º, inciso IV, diz que os direitos e garantias fundamentais são cláusulas pétreas, ou seja, não podem ser alteradas por emenda constitucional sob nenhuma condição ou motivo.

Curiosamente o § 3º do artigo 5º da constituição determina de uma forma clara e absolutamente direta que os tratados internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais, integrando desde logo o artigo 5º da Constituição por se tratar de direitos humanos, que tem aplicação imediata.

Então, porque não funciona?

O tratado sobre Direitos econômicos, Sociais e culturais, incluindo os direitos humanos referentes à moradia, foi assinado pelo Brasil, na forma já descrita no § 3 do artigo 5º e ratificados, ou seja, confirmados pelos legisladores federais brasileiros em 24 de janeiro de 1992.

Ainda que se leve em consideração o fato de que após a ratificação esta disposição passou a fazer parte do texto constitucional, até hoje não há programas efetivos ou políticas públicas que dêem conta das necessidades do grande número de excluídos que moram em locais insalubres, apertados, escuros, inseguros, hiper-lotados, sem um mínimo de conforto e em permanente insegurança quanto os demais direitos humanos a que fazem jus.

Com todo o amparo constitucional que existe a respeito do direito à moradia não há sequer uma tentativa séria de fazer valer os direitos de maneira efetiva ofertando os serviços públicos em quantidade e com a qualidade necessárias.


O direito à moradia, vez que é amparado pela Constituição Federal, obriga de forma imediata o Estado quanto á implementação de políticas públicas, criação de leis mais favoráveis e programas governamentais viáveis que possam tornar efetivo este direito, principalmente para as famílias de renda realmente baixa.

Não significa, entretanto, que o Estado deva proporcionar moradia a todos os brasileiros gratuitamente, mas tão somente criar condições mais ágeis e viáveis para que a parcela da população mais carente e necessitada tenha condições de morar com dignidade e segurança.


A falta de oferta de serviços públicos em quantidade e qualidade, conforme preceituado pela constituição, há anos vem sendo negligenciado pelo poder público e negado sistematicamente à população.


Pela lógica mais elementar tal situação não poderia existir; pois se a própria constituição determina que a aplicação do conteúdo seja imediata, logo, em não oferecendo o serviço público a quem dele necessite, cria uma situação de inconstitucionalidade flagrante.


O que há de mais desconcertante nisso tudo está em que existe uma teoria em voga já há algum tempo onde afirma que os direitos sociais, mais uma vez esclarecendo, garantido constitucionalmente, legalmente e por tratados internacionais, são simplesmente normas programáticas.


Para parte dos mestres do direito as normas programáticas são meras declarações de intenção a que os vereadores, deputados e senadores são obrigados a respeitar quando estão estudando e editando leis. São programas para uma atuação futura e considerados apenas caminhos políticos que legisladores e autoridades políticas dos poderes executivos municipais, estaduais e federal estão obrigados a buscar.


É trágico imaginar que a implantação de políticas públicas fique na estrita dependência de vontade política e orçamento favorável, mesmo quando sabemos que a vontade política é falha e o orçamento para assuntos sociais são cortados a cada ano.

Falta de recursos e de vontade política faz a cada dia aumentar a desigualdade social gerando abandono, miséria, doenças e criminalidade, entre muitos outros elementos negativos que infelizmente estamos obrigados a constatar todos os dias e em todos os locais do país.

A opinião reinante é a de que as normas constitucionais de caráter programático não geram para o cidadão o direito de requerê-las judicialmente de forma imediata, ou seja, existem, mas fica a critério da vontade política daqueles que nos governam decidir quando e de que forma vão conceder aquilo que a Constituição Federal já garantiu.

A única garantia que existe em tal entendimento é a de que, sendo uma norma programática, os legisladores municipais, estaduais e federais são absolutamente impedidos de editarem leis contrárias aos direitos e garantias fundamentais e direitos humanos.


Para não me estender muito, de nada adianta garantir o que é óbvio e lógico.


Tal situação é um verdadeiro achincalhe com as aspirações mais elementares da população. Basta para isso a constatação de que problemas sociais como este contribuem decisivamente para com o aumento da criminalidade, o que por óbvio não atinge somente as populações que vivem isoladas e esquecidas no interior e nas periferias das grandes cidades, mas atinge de forma violenta toda a população. Todos sofrem com este desrespeito a que muitos chamam simplesmente de normas programáticas.

A teoria que embasou a existência das normas programáticas é apenas uma abstração jurídica, uma ficção, uma forma de interpretação feita de modo a impedir que no dia imediatamente após o início da vigência das disposições que garantem os direitos sociais que os tribunais de todo o país fossem inundados com milhões de ações judiciais requerendo a imediata observância destes mesmos direitos.

Se tal ocorresse seria absolutamente trágico, pois o Estado não teria condições de atender a todos ao mesmo tempo, mas ainda assim seria impelido por ordens judiciais neste sentido. Tal inconstitucionalidade manifesta seria o motor de uma grande crise institucional que colocaria em cheque todo o sistema político e social brasileiro.


Se todos os direitos garantidos constitucionalmente fossem concedidos ao mesmo tempo com o objetivo de diminuir e resolver as necessidades da população carente do país, não haveria a mínima possibilidade de êxito.


O que torna este estado de coisas trágico é o fato de que a Constituição Federal já está em vigor há quase 24 anos, e ainda estamos engatinhando no que diz respeito aos direitos sociais da população.

O que está em jogo não é propriamente a aquisição de bens por parte da população mais carente, mas o respeito à sua dignidade, o que pode se iniciar pelo reconhecimento ao direito de moradia digna.

Da mesma forma não há como afirmar que o Estado está em inconstitucionalidade absoluta, vez que existem políticas públicas de saúde, educação, cultura, lazer, moradia. O que não existe de fato são a quantidade, a qualidade e a agilidade necessária para dar conta do atendimento.

A política habitacional, somente para frisar nosso tema, está ainda em seu início. A oferta é ridiculamente pequena em relação à procura por moradias populares. Os órgãos estatais responsáveis pela implementação da política habitacional há tempos se limitam a realizar cadastros, sem que consigam fazer uma previsão mínima de quando este direito será concedido.

O que existe de efetivo neste sentido é o Sistema Financeiro da Habitação, criado pela Lei Federal 9.514/1997, que cria as regras para o financiamento imobiliário.


Por várias razões que não vale a pena investigar neste momento, pois será objeto de outro artigo, mas citando somente como exemplo, o sistema financeiro da habitação é autorizado por lei, mas operado por instituições financeiras particulares que financiam imóveis em condições normalmente longas e desfavoráveis para a população, contendo, inclusive cláusula de alienação fiduciária, ou seja, cláusula que garante à instituição financeira a retomada do imóvel para leilão após três meses de não pagamento das mensalidades, e pior, sem que haja a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.

Com tudo o que há de desfavorável no Sistema Financeiro da Habitação é este o programa habitacional mais utilizado pela classe média brasileira, pois somente estes possuem condições de honrar com as pesadas prestações e condições manifestamente desfavoráveis


O sistema Financeiro da Habitação é assunto bastante complexo, motivo pelo qual trarei este assunto em outro artigo onde será mais convenientemente explicado.


Dando continuidade; existem algumas políticas públicas isoladas e localizadas para atender ao que determina a constituição, como, por exemplo, o programa habitacional do CDHU, do Estado de São Paulo, e o Programa Minha Casa Minha Vida, do Governo Federal.


No programa Minha Casa Minha Vida são financiados imóveis com prestações mínimas de R$ 50,00 (cinquenta reais), desde que a renda familiar comprovada seja de no mínimo R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais).


Renda familiar de R$ 1.600,00, mínimo, para financiamento de imóvel popular em algumas regiões do Brasil, inclusive em grandes cidades, é algo fora de qualquer possibilidade.

Tal situação exclui do programa um enorme número de famílias que não possuem condições sequer de participar de um programa criado e pensado nos que já são normalmente excluídos.

A desvantagem deste programa é a de que não há oferta em número suficiente para atender sequer os casos mais emergenciais, como os desabrigados por desastres naturais e os moradores de áreas de risco, principalmente nos grandes centros urbanos onde o valor dos terrenos é mais alto.

No programa habitacional do Estado do Estado de São Paulo (CDHU) há a necessidade de inscrição prévia, habilitação da inscrição mediante participação através de edital e, principalmente, sorteio para a aquisição das unidades.

A participação neste programa é garantida às famílias com renda variável de 1 a 10 salários mínimos. A maior desvantagem, porém, está na baixa oferta de unidades, visto que são aprovados poucos editais se considerado o grande número de interessados.

Programas habitacionais também são disponibilizados por prefeituras e governos estaduais em todo o país, mas também com oferta baixa em comparação com a demanda pelas unidades, o que no cômputo geral pouco contribui para a diminuição da pobreza e da marginalização da grande parcela de pessoas excluídas do conceito de cidadania.

Oportunamente disponibilizarei artigos tratando com mais profundidade de cada um destes programas.

O que se pode tirar resumidamente como conclusão deste artigo é que a construção jurídica que embasa o direito à moradia está mais do que alicerçado, embora para que seja efetiva ainda é necessária a participação dos interessados no processo político-social para que a boa intenção do legislador saia definitivamente do papel e possa representar, enfim, ganhos efetivos para a dignidade e qualidade de vida da população brasileira.

Juridicamente falando muito se tem conquistado em relação aos direitos sociais da população no que diz respeito à moradia. Uma das formas para que os interessados adquiram a propriedade plena dos imóveis que habitam é através do instituto da Usucapião.

O Instituto da usucapião não é novo. Os historiadores dão conta de que este instituto é usado continuamente desde o período clássico em Roma (130 a.C. – 230 d.C.).

Como se pode perceber não se trata de algo novo. Na realidade o que há de relativamente novo neste instituto no Brasil é a constitucionalização deste direito.

O artigo 183 da Constituição Federal, devidamente regulamentado pelo art. 9º do Estatuto das Cidades (Lei 10.257/2001) e artigo 1240 do Código Civil.

Nesta modalidade de usucapião de natureza constitucional o objetivo é sem demora ou complexidade reconhecer a propriedade de imóveis urbanos pelo uso. O texto constitucional diz que:

Aquele que possuir como sua área urbana de até 250 metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano e rural.”

Os requisitos constitucionais são claros como se pode perceber pela transcrição do artigo da constituição. A área em posse da pessoa deve ter no máximo 250 metros quadrados. Deve estar na posse do requerente da ação há no mínimo 5 anos.


Por posse ininterrupta se compreende que o requerente na ação judicial com base na usucapião de natureza constitucional não pode durante o período de tempo de cinco anos ter perdido a posse, seja em relação a terceiros, seja em decorrência de ação de reintegração de posse ajuizada pelo legítimo proprietário.

Outro requisito importante é a destinação do imóvel após a posse, visto que o requerente deve utilizar o imóvel de sua posse para moradia própria e de sua família.

Aqui cabe uma orientação importante. O texto da constituição não estabelece exclusividade de moradia. Quero dizer com isso que há casos onde o mesmo imóvel é dividido pelo possuidor em estabelecimento comercial e residência sua ou de sua família. Neste caso a constituição não apresenta nenhum obstáculo, vez que o uso que se dá ao imóvel é também de moradia, diferentemente do que ocorre nos casos onde o imóvel sob posse é utilizado exclusivamente como estabelecimento comercial, descaracterizando desta forma o instituto da usucapião constitucional.

Também é importante esclarecer que a propriedade de outro imóvel em qualquer local do país impede o requerente de buscar pela usucapião a aquisição de outra propriedade.

Este cuidado existe para impedir que a aquisição de propriedade pela usucapião não se torne um comércio nocivo para todo o país.

O Estatuto das Cidades regulamentou a usucapião constitucional criando novas disposições esclarecedoras:

1. O título de domínio será dado ao homem ou à mulher, ou conjuntamente a ambos, e independente do estado civil.

2. A usucapião de natureza constitucional será reconhecida apenas uma única vez, ou seja, uma vez conquistada uma propriedade por este meio, ou com recursos próprios, o proprietário estará para sempre impedido de ingressar com nova ação judicial para reconhecimento de outra propriedade.

3. Outro importante ganho para os requerentes estabelece que, mesmo que o possuidor originário do imóvel e que tenha ingressado com a ação de usucapião venha a falecer durante o curso do processo, a posse é garantida para seus herdeiros, desde que estejam habitando o imóvel por ocasião da morte.


Existem outras modalidades de usucapião e que contam com requisitos diferentes e de que tratarei em outro artigo.


Após o ajuizamento da ação de usucapião constitucional, sendo comprovados os requisitos constitucionais, o juiz declarará por sentença o reconhecimento da usucapião.

Após o período de 15 (quinze dias), desde que não tenha havido recurso de apelação contra a sentença, o requerente solicitará, mediante apresentação da sentença, ao Cartório de Registro de Imóveis que se faça a averbação e registro, tornando-se o requerente desta forma definitivamente o proprietário de seu imóvel.

Saber se há presentes as condições legais para a ação de usucapião e qual a melhor modalidade a ser buscada depende de uma análise técnica e de estudo de caso, o que pode ser feito por qualquer advogado e, em não havendo condições de contratação de advogado particular, pode ser acionada a Defensoria Pública para ingressar com a ação gratuitamente.

Em virtude do conceito já arraigado no meio jurídico de que as normas programáticas impedem que a população busque coletivamente sentenças judiciais favoráveis que garantam o reconhecimento de direitos sociais constitucionalmente assegurados, porém, nada impede que as pessoas busquem individualmente tais direitos.


Hoje em dia é muito comum as pessoas ingressarem com ações individuais para a obtenção de tais direitos requerendo do Estado o fornecimento de medicamentos de alto custo, vagas para internação hospitalar, de cirurgias, exames, vagas em escolas, creches, enfim, inúmeros pedidos baseados em direitos sociais e humanos que o Estado nega coletivamente, mas concede particular e individualmente através do Poder Judiciário.

O reconhecimento do direito à propriedade também pode dar-se através do conceito de mobilização social e da pedagogia da solidariedade.

Quando se fala em pedagogia da solidariedade se pode falar de uma forma mais direta sobre a ciência da educação como método de ensinar.


Por sua vez o conceito de solidariedade gera a idéia de dependência mútua, de reciprocidade que deve necessariamente haver entre as obrigações sociais em seus vários setores; dos interesses da sociedade de caráter geral, bem como a ampla gama dos interesses de caráter particular e do direito inalienável que cada ser humano possui de lutar e cobrar seus direitos, sem, no entanto, olvidar de suas obrigações e deveres, primeiramente em relação aos que estão mais próximos, assim como em relação á toda a sociedade, seja no bairro, seja na cidade, no estado ou no país como um todo.

Deve-se entender a partir do contexto geral apresentado neste artigo que a luta pelos direitos que garantem a cidadania plena consiste primeiramente no entendimento do processo que levou a desigualdade social, para somente a partir daí se buscar as soluções de forma conjunta, concatenada e solidária, ficando claro que o problema de atinge um atinge igualmente a todos.


Este conceito perpassa o individual e centra-se nos interesses de toda a coletividade. Não que o interessado tenha necessariamente que deixar seus interesses particulares para se dedicar exclusivamente ao interesse coletivo, pois a luta também se dá de forma importante a partir do interesse individual.

Torna-se difícil, senão impossível, gerar tal movimento sem que todos os interessados estejam na disposição de ensinar, de aprender, de ocupar os espaços públicos e, principalmente, buscar os direitos reconhecendo-se mutuamente como elos de uma mesma corrente onde a força e o peso são divididos de forma equitativa e igualitária entre todos, respeitando-se para tanto os princípios democráticos que devem nortear todas as ações.

Não se há de atingir a democracia de forma plena e equilibrada sem luta, ainda que pese o fato de que ser a luta leal e construtiva, seja em relação aos valores, seja em relação aos métodos.


A democracia é como o amor: Não se pode comprar, não se pode decretar, não se pode propor. A democracia só se pode viver e construir...”
Bernardo Toro – Educador e filósofo colombiano.

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