O piano não estava no saguão
Procurei o piano no saguão da Estação da Luz,
buscava a harmonia da alma na jornada que se iniciara,
trazia no corpo os desgastes provocados pelo ego,
diante da discrepância entre a ação e o discurso humanos,
sentia ainda, embora tardiamente, os efeitos do que julguei decepcionante.
Sim, os bemóis e sustenidos daquele piano
que no lugar de minha passagem não se encontrava,
poderia, se animado fosse, e se presente estivesse,
estabelecer relações com os tons
não tão inteiros dessa vida a tropeçar nas lógicas
ditadas para limitar as transgressões,
e claro que me refiro às transgressões da vida enquanto piano,
músico – vitais para não reprimir a criação,
nem tão pouco machucar quem quer que seja,
por decepções com a humanidade
desmemorizada de humanidades
em seus estudos, ações e aplicações,
nos infinitos sentidos da busca
por uma harmonia entre – todos
entre tudo...
Mas o piano não estava na Luz,
o saguão estava amplo sem o piano,
amplo na sua espacialidade,
facilitava o deslocamento
de tanta gente em movimento,
num lugar – estação,
mas as colunas, o pé direito
as palavras, os sons, as coisas
sentiam falta do instrumento,
era como se faltasse os dedos
daquele que vive na rua
a tocar as teclas, faltasse o impulso,
a ressonância e a harmonia desejada,
certo de que esse fosse o desejo do todo,
admitira minha incoerência,
buscava um remédio,
como se fosse acometido pelos males do mundo,
buscava um remédio.
Esquizo parapoético ,
incompreendia e era incompreendido,
ao mesmo tempo desejei ser adido,
um desertor, um bandido
e desafiar as leis, a ordem,
a manutenção e gritar pela presença do piano,
atirar-me contra o solo e implorar a volta da harmonia
que imaginara viver e nunca vivi,
mas a covardia e o comedimento
garantiram a boa conduta,
tinha consciência de que a quietude harmônica pretendida,
estava dentro, num sopro, melódico advento, ela se estabeleceria,
porém o mundo, o saguão sem o piano,
a insensibilidade de tantos humanos,
ainda provocavam a indignação e com ela a tristeza.
Rezei para Deus,
Pelo piano,
E adormeci no vagão do trem.
José Luiz Adeve (Cometa)
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