sexta-feira, 27 de setembro de 2013
Cosme e
Damião ficaram tristes
Cosme e Damião, nossa única proteção dizia a
música, o rap que ouvira tempos atrás nessa cidade rebelde. Vejo crianças
correrem entre os vãos dos barracos, tantas brincadeiras que se projetam da
dinâmica das relações adversas em que vivem, na qual a agressividade, muitas
vezes, ultrapassa nosso sentido, percepção, entendimento e significado, bem
como nossos conceitos saturados de educação que deveriam se configurar a partir
de uma forma de concordância com o ser no mundo em sua realidade múltipla, mas insistimos
no pressuposto do progresso explicando a imperfeição com os aprisionamentos
conceituais que não estancam as feridas, nem cicatrizam as dores, tão pouco
quebram as condições de desigualdades e iniqüidades.
Enfim, são tantas boas intenções que não evitam os ferimentos
individuais e comunitários, limitando cotidianamente nossa exposição no mundo. Além
de tudo isso, não há o devido reconhecimento da importância dos seres que vivem
numa ciranda de mãos dadas com o par experiência - sentido no processo de
educar na cidade e do direito de mudá-la inerente inclusive à nossa condição
humana.
Não podemos educar e ser educados como numa organização
puramente racional de estar junto, ou, ainda, de mero utilitarismo próprio da
economia moderna. Isso elimina os afetos, os humores, os sentimentos, o
onírico, muitas vezes considerados pelos conceitualistas e “conceituadores”
como viagem dos inúmeros, porém institucionalmente invisíveis colaboradores
seres, com os quais felizmente nos relacionamos e que contribuem para a
construção de uma inteligência coletiva e de um conhecimento colaborativo, num diálogo
orgânico com o cerne da solidariedade ecológica que emerge da
contemporaneidade, em função da necessidade de pensarmos uma sociedade
totalmente diferente desta que ai está.
Pensar num modo de estar, viver e se relacionar que
considere a necessidade de incorporarmos às nossas relações a partilha do
sensível, composta da soma de nossos sonhos e experiências.
Num desses dias, na minha cidade, Cosme e Damião
choraram ao saber das pedras atiradas na mulher que habitava um vão dessa
territorialidade de nossas bordas desbotadas de políticas de bem viver. Choramos
também na reprodução desse simbólico, sentimo-nos de certa forma machucados e
nos propusemos a repensar também, mais uma vez, nossa forma de atuar em que
ainda prevalece uma ideia de desenvolvimentismo, quanto na verdade, vivemos um
momento de envolvimentismo, numa partilha da beleza e das emoções, o que
também, creiam doutores do conhecimento antropocentrista e institucionalizado, contribui
sobremaneira para o processo de aprender e ensinar.
Nossas lágrimas, diante das pedras atiradas, surgiram,
secaram e molharam nossas metodologias, e assim sucessivamente, o que nos fez,
mais uma vez repensar tudo isso que nos propomos a fazer, repensar a cidade, considerar
ainda mais, em meio à tristeza de que sempre devemos estar dispostos à
aceitação da inocência do devir, como também inovar nas histórias que vivemos
com tantas crianças, adolescentes, jovens, famílias...
Insistem os apressados editores, acadêmicos,
doutores e ogros da educação de não ter escuta para o não sábio, para o não
intelectual. É que dentro da hierarquia valorativa do conhecimento,
estabelecida por valores ultrapassados de nossa sociedade, esses apressados e
mantenedores de um modelo de viver junto saturado insistem em ter explicação
para tudo, inibindo as descobertas e atropelando o emergir dos saberes advindo
da experiência vivida.
Mas a tristeza insiste nesse 27 de setembro. Pelos
moradores de rua, por tudo isso que se tornou essa cidade, por nossas atitudes
e as crianças das bordas da minha e de tantas outras cidades do mundo, que talvez
tenham como única proteção, São Cosme e São Damião. Olhai os lírios do campo
!!!
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