sábado, 16 de novembro de 2013

Diário de um educador republicano
Logo eu? Esse educador cheio de sonhos

No final de tarde passarinhos sussurraram nos meus ouvidos,
a brisa reconfortante de um sol antes ardido em plena primavera
trouxe ideias de educar e viver a partir da lembrança de um trecho de um livro
que chegara às minhas mãos num momento precioso e de descoberta
de possibilidades de  inovar e buscar, no outro, pontos reluzentes de saberes
para numa espécie de ajuntório  de sentidos e afetos pensar, realmente juntos,
cada ação que se constrói quando nos relacionamos sem querer ser o centro


Diante da res pública e, intrinsicamente dentro dela, não como objeto, mas na condição de sujeito dos direitos humanos, buscamos novas perspectivas educacionais. Isso implica rever experiências e posturas que perpassam, além de uma análise científica didático – pedagógica, questionar a forma de se relacionar com a realidade, com os entrelugares e suas interculturalidades. Elementos dessa modalidade, a educação, na qual passamos a estar inseridos nesses tempos em que é possível e premente, numa ciranda perceptiva, ressignificar e entender o pensar, propor e fazer educação como uma modalidade do pensamento complexo e da inteligência conectiva.
A escola. O sinal avisa que é intervalo. Lanche, recreação, mas o pátio está fechado, interditado. Questão de segurança. À noite os adolescentes, jovens, a maioria consome nesse espaço, numa espécie de dinâmica de conviver e de relacionar –se, as drogas que orbitam no cosmo econômico da localidade.
Todos permanecem na sala de aula. Ou na sala sem aula o corpo fala, a proposta pedagógica se cala. Alguns movimentos mais bruscos e sons similares a espaços de reclusão dão ritmo a tensão, ao atrito entre o desejo de abstrair-se, exaltar-se e distanciar-se dos jovens e a enérgica autoridade de fazer valer a regra, a intenção de manter o ambiente na sua normalidade, sem mais entender o que é essa normalidade, já que esse microcosmo em convulsão, não  se relaciona com a realidade do lugar, do entorno, dos tempos, dos dias, das juventudes das culturas... 
No meu canto acuado, disfarço, confiro a lista de chamada, penso em algo para após o sinal de retorno a sala, sem ter saído dela, que contagiasse, despertasse, interessasse, alguma sedução, quiçá uma prática educativa, milagrosa, para dar conta do currículo, da matéria, do capítulo, ou então capitular, como um Napoleão monárquico, na antítese da res pública.
Mas que situação. Logo eu? Sim, esse educador cheio de sonhos que sempre percebeu e reconheceu a necessidade do descondicionamento ideológico, dentro dessa “coisa pública”, escola. Logo eu que sempre reconheci a necessidade de “sair fora” das próprias certezas. Logo eu a favor de um descentramento para educar, sinto-me indefeso e como um Napoleão penso em partir para um ataque, sem precedentes, logo que o sinal tocar para voltar ao lugar em que não saímos, pois o pátio está interditado.
Ah, sim, farei um discurso, logo após o sinal, para resgatar a ordem, em nome da convivência, embasado em estudos de especialistas dessas temáticas da educação para um melhor convívio. Mas, já fiz isso antes, tantas vezes e ficou evidente a distância sempre observada e até institucionalizada entre a tal cultura que predomina e que no mínimo faz concessões assimilacionistas e esses jovens – adolescentes com seus hormônios de cultura diversa e de experiências, as quais os templos dos saberes do pensamento insistem em entender como inferiores e bárbaros.
“E quase que como num conto de Aglaura persiste o elemento estranho,
uma intrusão da estranheza com musicalidades não convencionais,
a compor uma comunidade, um micro – corpo social com a fusão
do aqui e do alhures, nos cantos, encontros orgiásticos
 a propor e estabelecer uma fusão de contrários, 
comprovando que a civilização enlaguescente
necessita de bárbaros para regenerá-la.”
(nccsaomiguelnoar.blogspot.com.br)

O sinal tocou e fica evidente no babélico espaço a necessidade de aceitar a destruição do pensamento único. No banheiro alguns gritos a dar impressão de prazer e dor. Corremos, tropeçamos na insistência de determinados dogmatismos. As relações entre culturas diversas não são simétricas, não somos, enquanto educadores, um espécie de mediadores neutros.
A aula não recomeça, ninguém voltou de onde na verdade não saíra. Policiais entram no banheiro. Corpos machucados, resgatados. Tudo um pouco menos tenso, quer dizer, dentro da normalidade estatística desses tempos na “coisa pública”.
O coordenador pedagógico desabafa com a diretora, enquanto os adolescentes machucados são levados para a UBS mais próxima: “nós precisamos de estrutura, assistência social, psicológica para os nossos alunos, tantas coisas, parece que estamos ilhados, tudo fica por conta da escola”. Enfim, complemento em pensamento, precisamos de um entrelaçar, uma intersetorialidade, que só ocorre em alguns poucos pontos da cidade, parece até uma outra cidade, na verdade a mesma cidade, dividida entre lugares sub – assistidos pela res pública e espaços que alimentam o erário com tributos em dia para dar conta, sem conseguir dar conta nenhuma, do contingente, cada vez maior dos bolsões de pobreza de suas bordas.
“Vivi la Republique !!!” No meu canto que imagino ser o canto de todos e o cantos de todos que seria o meu próprio canto", parafraseando a canção, o recado está dado: pensar as mediações necessárias para que a educação pública da coisa pública, da república, dos estados, das cidades, pois por aqui nessa e em tantas outras escolas a maioria dos educadores está de malas prontas, prontas, por um triz, para desistir desse desafio e procurar outra escola e, enquanto isso, a bagagem de crianças, adolescentes e jovens que convivem com a escassez, está a vagar e viajar no cosmo da vulnerabilidade e na reprodução simbólica do infortúnio.  
A aula, se hoje ocorresse, seria sobre a revolução francesa. Ironia do currículo e da vida dessa e de tantas outras cidades.

Álvaro Lemos Nascimento – Pedagogo e educador de ensino médio da Rede Pública Estadual
e José Luiz Adeve  - Poeta, Radialista e educomunicador comunitário


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