quinta-feira, 13 de agosto de 2015


A reivenção da escola 

Uma didática da invenção
Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre 2 lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
etc.
etc.
etc.
Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.
Manoel de Barros 




Na contemporaneidade qualquer reinvenção para viver melhor, exige compreender a necessidade de considerar um estranho erro em relação ao poder. Este "acredita possuir uma força particular, uma vida particular, não apenas distintas, mas independentes da sociedade na qual se exerce". (1)  

Todos nós, também nos espaços educativos, exercemos ou competimos para exercer poder, seja político, pedagógico ou até mesmo de controle de produção de significados e, na fragmentação e imposição estéticas, dificultamos a interação, isso se dá desde os tempos coloniais, acentuadamente nas terras abaixo da linha do equador. Estamos impregnados pela necessidade de impor uma realidade, uma língua única, uma forma de plantar, de comer, num processo de anulação das diversidades e movimentos intrínsecos ao viver sustentavelmente coletivo. 

Assim, ainda predomina uma tendência de rechaçar toda a ideia de que a desigualdade é provocada por dinâmicas sociais perversas e insustentáveis, naturalizando a desigualdade até mesmo como hereditária, mera reprodução, analisando-a como inerente à inferioridade das pessoas, em relação à uma escala absurda de cultura e saberes instituídos muitos deles que alimentam a desigualdade e consequentemente a iniquidade cada vez mais.   

Para pensarmos e agirmos para a valorização da escola pública no século XXI, torna-se necessário problematizar a função social da escola, levar em conta as culturas, realidades sociais, singularidades, territorialidades das crianças, adolescentes e jovens, num compromisso com uma educação que assegure direitos políticos, sociais e culturais. 

Para tanto, faz-se necessário reinventar a escola, o que implica emergir a construção de currículos vivos em movimento sócio - histórico - cultural, permeado pela dialogicidade, narrativas, nascidos no encontro da diversidade das classes sociais, etnias, multiplicidade de visões, sentimentos e significados, ou seja, que dê substância ao político e ao pedagógico para projetos reveladores de identidades e escolhas da comunidade que aprende, ensina e intervém socialmente, a chamada comunidade educadora ou educativa, num processo de construir territórios educadores com sua correspondente gestão territorial participativa e, para tanto é necessário ousar, afinar e refinar nossa escuta de educadores..

Ensino e pesquisa, valorização do processo e sempre tratá - lo como sujeito, a importância da experiência e a necessidade de encurtar a cada momento a distância entre o viver  e descoberta  da epistemologia, numa dinâmica de ação - reflexão - ação são componentes fundamentais e democráticos de percursos e de políticas de formação, a dinamizar uma prática social que implique todos os sujeitos também nas atividades sistêmicas, subjetivas, éticas, estéticas, num caminho voltado à emancipação e de uma educação política que exige olhar e cuidar a partir da multidimensionalidade do ser.   

Olhar para os cidadãos e considerá-los autores do processo de aprender. Olhar para o cotidiano da escola que deve ser menos prescritivo e mais autoral, aprimorar a escuta sensível com atenção especial para reconhecer a diversidade e as diferenças entre todos, conscientes de que educandos e educandas são, antes de tudo, produtores de cultura revelam as bases para a reinvenção da escola.

Concomitantemente à mudança da leitura dos educadores em relação à forma de exercer o poder de educar, faz-se necessário notar e considerar que os sujeitos da aprendizagem tem suas preferências e convicções políticas, religiosas, estéticas e de linguagens e, a maioria, com os quais nos relacionamos encontram-se em algum lugar, algum ponto concreto e / ou subjetivo de vulnerabilidade social. 

Perceber que para esse "reinventar" é necessário investir na criação e desenvolvimento de práticas pedagógicas que despertem o desejo de aprender e, mais que isso, sempre acordar e apresentar a finalidade do processo o qual, os educandos e as educandas precisam ser convidados a participar da construção dos caminhos, dos itinerários da apropriação do conhecimento. Isso exige também um atendimento especializado com a mobilização necessária para atender à diversidade da comunidade educadora. E, atentar que é essencial identificar e valorizar, o repertório trazido pelas crianças e adolescentes. 

Considerar e estimular o educando (a) a ser gestor de sua aprendizagem, consequentemente autor das intervenções no meio onde vive, e a escola compõe esse meio, gera consistência para a tomada de decisões sobre estratégias didáticas, e a transformação do sonho em realidade de construir uma gestão democrática, como também o aprimoramento e novas formas de observar e registrar os processos de descoberta, contextualização e reflexão de todos na consequente produção de conhecimento, considerando que cada escola tem  suas singularidades, nascidas na dinâmica de viver no e do território com as suas realidades. 

Assim, a interdisciplinaridade e a autoria movem e dão vida às atividades de formação - reuniões, jornadas, horários coletivos, formação em serviço. Tempos e espaços devem ser sempre repensados e redesenhados para atender a demanda cronotópica que uma escola para ser reiventada exige. 

Não confundir a aplicação de instrumentos nem atribuição de notas com os processos de avaliação. Inovar na avaliação que pode ser composta de rodas de conversa, produção audiovisual, assembleia, manifestações artísticas - culturais, debates, percepção de como funciona a escola como num todo com a devida aplicação dos conteúdos nesse processo, sendo fundamental fomentar nos educandos e educandas a percepção de que são também co-autores e co-gestores, na perspectiva de uma educação política, considerando que os arranjos e negociações entre os desejos e a estrutura, são elementos democráticos e de caráter constitutivo no processo de parceria. 

Para reinventar é necessário reconhecer como diz o poeta Manoel de Barros nossa incompletude, nossa inquietude e nossa disposição em relação à alteridade, além de nosso inconformismo, é claro: 

..."Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.
Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas." 

(trecho do poema "Retrato de artista enquanto coisa - Manoel de Barros) 

(1) Ligação Direta - Estética e Política (Mario Perniola) cita François Guizot








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