quarta-feira, 2 de março de 2016



Uma nova tavoleta para uma nova perspectiva de cidade. 
ENQUANTO ISSO NA VÁRZEA DO TIETÊ...
“Aqui, hoje, com tanta gente dentro da água,
  e quase todo mundo, inclusive  os que vem ajudar,
aos poucos passam a pensar, acho que o senhor também,
bem lá no fundo,  o senhor pensa assim,
que tem que ser assim mesmo,
mas no fundo os motivos dos problemas que leva
a esse “assim mesmo”, esse conformar, nós sabemos,
não com aquele palavrório dos estudados,
mas a gente sabe que tem partes da cidade
que são ricas e melhoram porque  são  ricas,
e partes que são pobres, que pioram pois são pobres”
Severino Silva (cochichando após uma reunião
do Fórum dos Moradores
do Lapenna)


Em busca de uma tavoleta na Várzea do Tietê
No Quattroccento quando Bruneleschi inventa a Tavoleta para demonstrar a visão especular da perspectiva, coincidindo o ponto de vista e o ponto de fuga, a cidade passa a ser vista e representada de outra forma, assim novas possibilidades multidimensionais são aventadas. Isso se refletirá nas suas inter - relações simbólicas, no preenchimento dos espaços vazios com luz e pessoas e na interação com a natureza, na qual arquitetônica e interativamente a cidade sempre precisa dialogar.
Na várzea do Tietê estamos, hoje, diante da necessidade de multiperspectivar a nossa visão, o que demanda uma nova Tavoleta que nos propicie uma visão socioterritorial em que o urbano, o meio ambiente, a saúde, a educação, a política, nos seus aspectos identificados com o habitar, estejam correlacionados num agenciamento entre formuladores e gestores de políticas urbanas, cientistas, educadores, sociedade civil e financiadores que se proponham a interromper uma dinâmica perversa, a qual fez com que a urbanização brasileira, em São Paulo não foi diferente, se tornasse a expressão territorial da desigualdade.
Aqui no Jd Lapenna, São Miguel, na cidade de São Paulo, o reflexo, a consequência da separação progressiva entre as partes ricas e pobres da cidade. Gradativamente a cidade vive essa dinâmica par e passo, essa interface social sendo mediada e cerceada, o que passa a ser um dos fatores para que a cidade se estenda, não crescendo para dentro. E a população de baixa renda só tem possibilidade de ocupar terras periféricas, mais baratas sem infraestrutura. Um verdadeiro urbanismo de risco.
A concentração de oportunidades de emprego em um pedaço da cidade, o que tem infraestrutura, provoca uma dinâmica de ocupação de áreas frágeis, sendo que essa população sofre os efeitos das enchentes, os mananciais contaminados, além da erosão e isso atinge a cidade inteira.
Assim, vivemos também uma espécie de apartheid ambiental, as terras ocupadas pelos pobres são aquelas que não despertam o interesse do mercado imobiliário, sendo que a maior parte da produção habitacional compensatória se faz a margem da lei. Mesmo com todos os instrumentos, o Estatuto da Cidade, os programas e as políticas públicas para minimizar a exclusão habitacional, a cidade não dá conta e a lei passa a ser aplicada de forma arbitraria, priorizando a lucratividade da especulação imobiliária., em detrimento dos programas habitacionais populares.

Cochichando no Mutirão com Sr. Antonio
Numa conversa com alguns moradores, daqui do Mutirão do Jd Lapenna, participantes de uma ação de mobilização coletiva para construção de casas no início da década 90 com o apoio do governo municipal da época,  fica evidente que, atualmente, se segue uma lógica de construção e utilização de tipos materiais, que faz da produção habitacional popular um grande negócio, com uma ideia preponderante de lucro, o que já ocorrera também antes da década de 90.
Um morador antigo do bairro afirma que as habitações populares construídas atualmente e disponibilizadas para a população pobre da cidade, seguem, até mesmo “um modo de construção de custo altíssimo o que beneficia os interesses dos grupos que ganham as licitações para as empreitadas dos programas habitacionais”. Segundo esse morador essa lógica existiu antes do Mutirão, e do ano 2000 para cá foi re-institucionalizada e aceita pela cidade: “é como um remédio que mesmo com efeitos colaterais, é visto como um remédio, ameniza a dor, mas não cura a doença, os grupos que constroem poderiam até utilizar outros materiais mais baratos e melhores, mas isso não dá lucro”.

Entender um pouco tudo isso, é preciso.
Aprendendo com pessoas que detém um ativo de conhecimento urbanístico, estudando um pouco os processos de pensar a cidade e a própria legislação urbana, esta última nascida para atender os interesses da corte capitalista e, mesmo com os avanços que tivemos na constituição de 1988 e com a criação do Estatuto da Cidade em 2001, os instrumentos e uma legislação voltada a corrigir o descompasso da desigualdade, ainda temos um déficit habitacional alarmante, sendo que os instrumentos para essa correção que demonstram ser eficientes, não comprovam sua eficácia, em função também da dificuldade de fazer valer a aplicação desses instrumentos, pois quem dita as regras da ocupação do solo ainda é o interesse privado, prova disso é a rapidez da viabilização da autorização para construção de grandes empreendimentos e a demora para viabilizar espaços urbanos para a habitação popular, claro, considerando também a necessidade de respeitar toda a legislação de proteção ambiental, que deve valer para todos, além da complexidade de áreas híbridas compostas de ZEIS e APA, como essa onde estamos situados, São Miguel – Jd Lapenna.

Movimentos para interação e enfrentamento do problema
Pululam na Zona Leste movimentos para mobilização e provocação de interações entre as comunidades que vivem problemas similares na Várzea do Tietê, como o caso do Jd Lapenna, Jd Romano, Jd Helena, por exemplo. Movimentos que além de uma atitude política também desejam e trabalham para atrair os detentores de um ativo do conhecimento que perpassa também o desenvolvimento de tecnologias e metodologias para, pelo menos reduzir a anomalia habitacional, com a consequente necessidade de inovação tecnológica – social para provocar impacto no território a refletir no pensamento dos poderes constituídos sobre a cidade.
Claro, que nos tempos de hoje, uma das formas de provocar o olhar para as localidades que aos poucos se tornaram invisíveis na organicidade da cidade, é provocar uma certa descontinuidade simbólica, estratégia adotada pelos movimentos culturais juvenis, uma espécie de utopia iconoclasta, como também os movimentos sociais tradicionais que imprimem uma dinâmica de pressionar o legislativo e o executivo para olharem as demandas do território, atende-las e pensarem com as comunidades formas de superar as desigualdades.
Mas não esqueçamos da necessidade de articulação com os atores que estudam a cidade, ai estão as Universidades, as ONGs e setores do Poder Público, numa conexão científica - educadora, na construção de territórios educadores, compostos de pessoas (crianças, jovens e adultos) que passem a  compreender inclusive as causas de sua presença nesse ou naquele habitar, e desenvolver estratégias para que as comunidades das áreas mais frágeis da cidade tornem-se vetores sociais para a transformação desses territórios vulneráveis. 

Diante das águas a invadir nossas vidas pensar multidimensionalmente
a educação como prática efetivamente cultural e política
 Assim, atuando numa área crítica da cidade, pensar e construir junto com quem vive e convive com a escassez, submersos no transbordamento da cidade, uma contribuição: um processo, um caminho político – pedagógico para a realização de um território educador. Considerando como elementos substanciais inerentes às ações coletivas voltadas ao desenvolvimento da localidade, a geografia, a história, o letramento político, a identificação e difusão das culturalidades, além da necessidade de transpor os conhecimentos produzidos pelos urbanistas e demais cientistas para uma linguagem que perpasse e seja sentido e incorporado a comunidade a comunidade, por exemplo, nas atividades também compreendidas no CCA local, nas Creches, na Escola, na UBS, nas ONGs locais, no espaço público, no Fórum dos Moradores.
As pessoas da comunidade precisam ter consciência do poder que tem em cada lugar desse território. Isso advém de um exercício, considerando como pressuposto a alteridade, um olhar sistêmico para o todo, olhar para o espaço público e obrigar o poder público a representar de fato os setores e as aspirações sociais – coletivas,  o que requer participação e entendimento das questões vividas pelas comunidades das bordas da cidade e como o poder público lida com elas,  construindo uma sabedoria para fazer valer suas ideias para influenciar nas decisões da cidade voltadas à localidade e claro num horizonte de novas centralidades periféricas, num processo de produção de conhecimento que influencie a cidade como num todo.
Um ideal coletivo semântico de Centralidade Periférica e que se torne possível. Nessas áreas, como o Jd Lapenna, embora localizadas nos limites da cidade, sejam especialmente dotadas de condições próprias de urbanidade. Possuidoras de boas acessibilidades, a revelar com suas marcas identitárias, fatos que, pela sua conjugação, as transformam em polos para uma vida urbana digna.

Espaço poético. Antes da chuva o pensamento a caminho da Várzea do Tietê
Na multidimensão da poética do espaço
Fios de um tecido urbano,
Entre os reflexos de tantos espectros,
Technés do pós humano.

Visões, interações
Eu sinto uma aflição
Perverso capital a produzir
Subjetividades, enunciados,

Maquímica sujeição
Transformam a cidade numa mercadoria
E periferia a produzir
Resistência diante da desigualdade. 

Cronotópica urbana dor – realidade,
Território – dualidade,
Rico, pobre, tão desigual.

Na alma da Cidade coexiste uma autoria
Que em muito deve ultrapassar
a nossa covardia: vocação solidária.

Referências
. Raquel Rolnik – Regulação Urbanística
. Erminia Maricato: Metròpole, Legislação, Desigualdade
. Ana Maria Passos Coelho Tavares: Centralidades Periféricas (Universidade de Coimbra)
. Severino Silva – Morador Jd Lapenna
. Sr. Antonio – Morador Jd Lapenna
. Sirlene – Moradora Jd Lapenna
. Deisy Fernada Feitosa – Comunicação nas bordas da cidade
. Andrelissa Teressa Ruiz – Monografia “No meio do caminho havia um rio...A filosofia do rio Tietê sob a perspectiva sujeito-objeto no espaço urbano

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